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Resenha: Lucky Caller (2020) – Emma MillsLeitura em 5 minutos

Foto de um Kindle exibindo a capa de Lucky Caller de Emma Mills à esquerda e uma planta suculenta à direita. Ao fundo, uma textura de madeira branca.

Um dos nomes mais celebrados da literatura YA contemporânea, Emma Mills lançou seu sexto romance em janeiro e Lucky Caller não decepcionará os leitores fiéis da autora e certamente agradará uma gama ainda maior de fãs do gênero.

Em Lucky Caller, acompanhamos Nina em seu último ano no ensino médio. A personagem navega paralelamente seu desconforto diante das mudanças na sua estrutura familiar – sua mãe vai se casar de novo – ansiedades diante do futuro – seus amigos têm planos concretos enquanto ela ainda não sabe bem o que quer fazer – e a reaproximação de uma amizade de infância com subtons românticos.

Quando Nina decide cursar uma disciplina eletiva que envolve a produção de um programa de rádio, ela não antecipa que Jamie – um amigo de quem ela se afastou após uma ruptura no passado – não apenas também havia se matriculado no curso como acabaria no mesmo grupo que ela com a missão de criar, produzir e transmitir um programa de rádio semanal na emissora do colégio.

Nina, Jaime, Joydeep e Sasha acabam no mesmo grupo e, inicialmente, as diferenças e a aparente falta de afinidade entre eles sugere que a experiência não será nada menos do que caótica. No entanto, a convivência e o esforço comum acaba aproximando os quatro jovens, que se tornam amigos improváveis.

A participação de Nina no projeto parece ser também uma forma que ela encontra para se aproximar do pai ausente. Todos os dias ela escuta o programa de rádio que ele ancora e pelo qual ele se mudou de Indianápolis para a Califórnia. Quando os colegas ficam sabendo quem ele é, sugerem convidar o radialista para participar do programa. Aparentemente, tudo está bem: Conrad promete participar do programa da filha quando visitar Indianápolis. No entanto, transparece para o leitor que o personagem tem um longo histórico de ausências e promessas não cumpridas. Nina hesita em convidá-lo, hesita em compartilhar a experiência com ele e, na tentativa de administrar as expectativas de todos à sua volta, acaba decepcionando os amigos.

A frustração de Nina não se manifesta de forma explosiva como a da irmã mais velha, Rose, que aponta para ela que a relação que a menina tem com o pai é predominantemente parassocial, com a filha como uma mera ouvinte diária do programa de Conrad. Nina lida com suas frustrações tentando suprimi-las, mas, evidentemente, há um ponto em que a estratégia não dá conta e ela precisa se comunicar.

A reparação de problemas de comunicação surge como um grande tema do livro não apenas pelo anseio de Nina de se reaproximar do pai, mas pela forma como ela lida com sua reticência diante do novo casamento da mãe, se esforçando para estabelecer uma amizade com o futuro padrasto, Dan. Em outro nível, vemos os quatro amigos tentando trabalhar em equipe para encontrar o tom ideal para Sound of the Nineties e o programa de rádio acaba ganhando sua própria base de fãs quando eles estabelecem um diálogo satisfatório.

Por fim, talvez o maior problema de comunicação se dê na relação entre Nina e Jamie, que dá conta do aspecto romântico de Lucky Caller, uma das marcas típicas das obras de Mills. A rotina criada pela produção do programa precipita uma reaproximação entre Nina e Jamie entrecortada por flashbacks que informam o leitor sobre o histórico dos dois. Ao longo da jornada, aprendemos mais sobre a dinâmica entre os personagens e é difícil não torcer por uma comunicação mais aberta no desfecho.

A experiência de leitura depende fortemente do vínculo que o leitor formará com Nina e me parece que a construção da personagem – bem-executada por Mills – dá conta dessa pré-condição. Frequentemente, autores de literatura YA compõem protagonistas que oscilam entre figuras idealizadas e manifestações desgastadas da manic pixie girl. Mills escapa dessa armadilha. Sem grandes rompantes, Nina navega com certa tranquilidade os desafios que se apresentam: a dificuldade de se adaptar a mudanças, o relacionamento com as irmãs, a dificuldade de se comunicar com Jamie e os desconfortos típicos do final da adolescência. Ao longo da obra vemos Nina errando no presente e no passado e, ao longo da jornada, ela perde o medo de admitir suas próprias falhas e aprende a se desculpar e a se comunicar melhor.

As relações familiares são bem delineadas e é bem-vinda a inserção de laços para além do modelo da família nuclear: Jamie é criado pelos avós e em momento algum é discutido por que ou onde estariam seus pais. Nina se questiona sobre o tema, mas é bom que certos elementos não sejam explicados para o leitor.

Lucky Caller flui bem e pode ser lido confortavelmente em apenas uma tarde. É bem-vinda a escolha de construir a narrativa em torno de um esforço em grupo para produzir um programa de rádio. Ainda melhor é o frescor da abordagem: embora Sound of the Nineties focalize a música dos anos 90, a execução não soa nostálgica em momento algum. O sexto romance de Emma Mills proporciona uma leitura leve e agradável para fãs de literatura YA e um esforço que a reafirma como um dos grandes nomes do gênero.

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Professora na UERJ | Website

Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.

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