How to Fail: Everything I’ve Ever Learned From Things Going Wrong de Elizabeth Day é um dos livros de não-ficção mais comentados no mercado editorial britânico no momento. Sua autora tem uma longa e premiada carreira no jornalismo, tendo trabalhado para o The Times, The Telegraph, The Guardian, The Observer e outros. Ela também é autora de quatro romances: Scissors, Paper, Stone; Home Fires, Paradise City e The Party. Sua publicação mais recente, objeto desta resenha, teve origem no podcast How to Fail with Elizabeth Day, que ficou em primeiro lugar nos charts do iTunes em diversas ocasiões. Neste projeto, Day convida profissionais célebres e bem-sucedidos das mais diversas linhas de trabalho para falar sobre como seus fracassos influenciaram suas vidas negativa e positivamente.
Discutir o fracasso é um exercício interessante que, paradoxalmente, foi o projeto de maior sucesso já desenvolvido por Day. Desta forma, no livro em questão, lançado internacionalmente pela Harper Collins (mas não ainda no Brasil), a escritora se propõe a recriar o podcast em uma mídia diferente, atividade que ela realiza em graus variáveis de sucesso.
Dividido em capítulos temáticos em que a autora compartilha com o leitor experiências que culminaram em fracasso em diversos momentos de sua vida – How to Fail at Fitting In, How to Fail at Tests, How to Fail at Dating, etc., – How to Fail peca pela sua estrutura repetitiva. Não há dúvida que Day seja uma escritora de talento e que a ideia por trás do livro seja imensamente interessante – eis o sucesso do podcast – mas a execução da transposição de um formato para o outro deixa a desejar.
A necessidade que a autora sente de referenciar o podcast repetidamente ao longo do livro acaba se tornando cansativa. Esses trechos são sempre introduzidos por uma frase como “quando eu entrevistei este ator famoso ou aquele cineasta de sucesso, ele me disse que….” e apresenta uma longa citação do que a pessoa em questão falou. O problema não são as referências às entrevistas, mas a repetição desse dispositivo, que muitas vezes elas não acrescenta muito ao que a autora já estabeleceu sem as citações.
Um ponto alto do livro é a gama de assuntos sobre os quais Day fala abertamente ao leitor. A autora compartilha experiências suas que se estendem do ridículo e cômico, como quando seu editor chefe a enviou para os Estados Unidos para experimentar a rotina de exercícios e tratamentos estéticos da estrela de cinema Gwyneth Paltrow (experiência compartilhada no capítulo oportunamente intitulado Hot to Fail at Being Gwyneth Paltrow), até extremos de depressão e sofrimento. Day fala longamente sobre suas experiências mais pessoais, compartilhando, por exemplo, a jornada que enfrentou na tentativa de ser mãe, narrando as dificuldades para engravidar, os tratamentos dolorosos, o fim do seu casamento e a perda do seu bebê.
Igualmente interessante é a forma como Day não tem medo de produzir uma autocrítica. A autora reavalia amizades antigas, questiona posturas profissionais e reflete sobre a necessidade que já sentiu de estar sempre em um relacionamento, escorando sua noção de si em seus companheiros.
Nesse sentido, é frustrante quando a autora não problematiza algumas noções. Day reforça, por exemplo, clichês e preconceitos em relação à América Latina ao narrar uma experiência de assédio sexual. Em um trecho de How to Fail dedicado a descrever a relevância do movimento #MeToo para mulheres da sua geração, ela rememora um evento que veio a reconhecer apenas recentemente como assédio.
A narração da sua experiência invoca, evidentemente, a empatia do leitor. Day conta que em uma ocasião em que estava visitando o México a trabalho, um homem “começou a se masturbar contra a [sua] perna em um vagão de metrô lotado”1. No entanto, a forma como a autora explica seu entendimento inicial do que havia acontecido com ela é profundamente problemática. Ela diz que pensou não ser justo falar do assédio sofrido como tal porque “era a Cidade do México, eu pensei na época. Era o horário do rush. Eu estava invadindo um espaço predominantemente masculino. O que eu esperava?”.2
Elizabeth Day ressignifica o assédio, mas não o preconceito embutido na sua fala. É lamentável que uma autora que parece fazer um esforço tão grande para repensar posturas e noções equivocadas reitere clichês racistas e xenófobos. Essencialmente, ela diz “que estava invadindo um espaço predominantemente masculino” ao pegar o metrô na capital mexicana no horário do rush. Isso parece indicar que a autora supõe que mulheres da geração dela (ou seja, nascidas no final da década de 1970) não trabalhavam fora no México e, portanto, não estariam também voltando para casa naquele mesmo horário.
O enunciado carrega, ainda, a noção de que este é o padrão comportamental – algo socialmente aceitável até – de homens mexicanos, então “o que ela esperava que acontecesse?”. Day certamente não se dá conta, mas seu enunciado é problemático. É verdade que o México, como o Brasil e tantos outros países sofrem com misoginia, machismo e violência sexual. No entanto, sugerir que esse é o padrão e não repensar o que foi dito é cruel. É verdade que a autora fala de como pensou no passado. No entanto, Day não faz nenhuma correção nesse sentido, limitando-se a repensar à violência que sofreu.
How to Fail soa predominantemente como uma conversa informal – ainda que unilateral – entre autora e leitor e essa leveza de tom é um dos pontos altos do livro. No entanto, há trechos em que Day determina como as coisas deveriam ser e como as pessoas deveriam agir e o que de fato as ajuda a amadurecer. Nesses momentos, a autora perde o leitor que não espera um discurso ou um julgamento.
Quando Day faz juízos de valor, ela frequentemente o faz de uma forma que soa preconceituosa ou, no mínimo, insensível. Um dos exemplos é um trecho em que a autora descreve como se ofendeu com um namorado que usou o termo big para se referir a ela, dedicando um longo trecho a descrever suas medidas para comprovar que ela “não era magra, mas também não era obesa”. Ainda discorrendo sobre peso, a autora sugere que o problema da obsessão da indústria da moda com magreza se origina no fato de a maioria dos estilistas das marcas de alta costura serem gays e que, por conta disso, eles projetariam nas modelos seu próprio ideal de beleza.
Mais adiante, Day critica uma escritora que participou de um evento com ela porque se sentiu atacada por um comentário da autora sobre o tipo de ficção que lhe interessava. A escritora é descrita como uma “hipster literária” que seria “o tipo de romancista que atrai leitores precisamente porque ler o material dela faz eles parecerem descolados”, embora admita que a autora em questão era, de fato, competente. Por fim, Day parece confusa quanto à função do crítico literário, aborrecida ainda hoje com uma resenha negativa que seu romance de estreia recebeu. Ela reclama que o tipo de resenha que ela recebeu em geral vem de alguém “que nunca escreveu um livro”.
No fim das contas, mesmo com todos os seus defeitos, How to Fail é uma leitura interessante e relevante para o nosso momento. Nossas experiências, como a autora descreve, trazem textura à vida. Muitas vezes é a partir da necessidade de recomeçar ou de se reinventar que surgem as melhores ideias, como foi o caso de Elizabeth Day. Seu maior sucesso profissional até hoje foi justamente o lançamento de um podcast onde pessoas bem-sucedidas sentem-se livres para falar de seus fracassos a ouvintes que compartilham do entendimento de que não há trajetória brilhante que não seja atravessada por alguns tropeços.
No início do livro, Day explica que não se trata de louvar o fracasso, mas reconhecê-lo como parte necessária da vida quando se procura encontrar qualquer tipo de sucesso, seja no processo de amadurecimento pessoal, seja na carreira profissional, ou na forma de se relacionar com os outros. E isso é algo que ela faz muito bem: Day é habilidosa na produção de uma narrativa que se desenvolve a partir de vivências pessoais. Ela demonstra para o leitor, por fim, o quanto experiências em que ela fracassou foram – e ainda são – formativas e fundamentais.
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Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.
Dois parabéns! Li suas resenhas de “Normal People” e “Milkman” e fiquei encantada! Não foi só o interesse e admiração pelas obras, mas um respeito deliciado pelo talento da crítica. Ficamos com ideias claras sobre as histórias, os estilos e a relevância para nossa época – tudo isso sem perder nem um centímetro de vontade de ler os originais e tendo ainda maior apetite para outras resenhas desta qualidade. Abraços grandes.
Que ótimo ler isso, Norma! Fico muito feliz, de verdade! Obrigada.
Abraços, Marcela.