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Série “Reclaim Her Name” do Women’s Prize gera polêmica em torno de nomes de autorasLeitura em 7 minutos

Reclaim Her Name: coletânea do Women's Prize patrocinada pela Bailey's gera polêmica.

A patrocinadora do Women’s Prize, a Baileys, se desculpou após ter colocado Frederick Douglass na capa da biografia de Martin R Delany. Epecialista em Edith Maude Eaton afirma que autora pode nunca ter escrito a história publicada sob seu nome na série “Reclaim Her Name”, reportou o The Guardian.

A patrocinadora do Women’s Prize, Baileys veio a público pedir desculpas por ter colocado uma ilustração do abolicionista errado na capa de um livro integrante de uma série que se propõe a republicar autoras mulheres que escreveram sob pseudônimos masculinos. Vale lembrar que o projeto que recebeu reações diversas desde que foi lançado no início da semana passada.

A campanha “Reclaim Her Name”, anunciada na quarta-feira, 12 de agosto, traz a republicação de 25 títulos em e-books gratuitos para comemorar os 25 anos do Women’s Prize for Fiction, com edições impressas doadas a bibliotecas selecionadas no Reino Unido. Mais de 3.000 escritoras com pseudônimos foram consideradas por uma equipe de pesquisadores encomendada por Baileys. As autoras selecionadas incluem Mary Ann Evans, que escreveu sob o pseudônimo de George Eliot, e Fatemeh Farahani, que publicou poemas no Irã do século 19 como Shahein Farahani.

Outra obra da série é The Life of Martin R Delany (1868), de Frances Rollin Whipper. Ela foi a primeira autora afro-americana a publicar uma biografia, sob o pseudônimo de Frank A Rollin. No entanto, a capa da Baileys para o título republicado trouxe a silhueta do reformador social e abolicionista Frederick Douglass, em vez de Delany, um jornalista e ativista abolicionista.

Um porta-voz da Baileys disse que a capa do livro foi substituída por uma versão corrigida assim que a empresa tomou conhecimento do equívoco, que foi atribuído a “erro humano” na agência de marketing VMLY & R.

“Lamentamos muito… Também deveríamos ter notado isso em nossas análises. Desde então, retiramos e substituímos a capa e estamos conduzindo uma investigação completa para entender exatamente como isso aconteceu. Também implementaremos outras medidas para garantir que isso nunca aconteça novamente”, diz um pedido de desculpas publicado no site da Baileys.

Outra autora da série é Edith Maude Eaton, uma escritora sino-inglesa que escreveu sobre discriminação racial e seu legado cultural sob o nome chinês Sui Sin Far. No entanto, uma pesquisadora – Mary Chapman, professora de literatura inglesa na University of British Columbia – especulou que Eaton pode ter escrito uma única narrativa sob o pseudônimo masculino Mahlon T Wing. Mas outra obra agora foi impressa com o nome de Eaton.

Chapman, autora de Becoming Sui Sin Far, disse que foi contatada pela VMLY & R para ajudá-los a fazer contato com o espólio da Eaton esta semana, mas que não soube que obra havia sido selecionado até a publicação.

“Acho que eles queriam variedade e não tinham muitos escritores de origem asiática, então ela provavelmente satisfazia esse critério. Ela escreveu um diário de viagem com um pseudônimo masculino que teria cabido melhor. Não sabemos se ela escreveu essa história”, disse Chapman.

Ela chamou o projeto de “descuidado”, acrescentando que este havia anunciado 25 romances, mas incluiu contos e uma biografia. “Eles poderiam ter feito um trabalho melhor. Eles tinham grandes objetivos. É uma coleção bonita – você ficaria feliz em ter esses livros em sua estante. Mas no minuto que você olha para o pensamento por trás disso, você se sente desconfortável.”

Alguns leitores nas redes sociais também criticaram o restabelecimento do nome Eaton, em vez de seu nome chinês. Chapman disse que Eaton usou os dois nomes ao longo de sua vida: “Ela aceitava o nome, então não acho que seja um apagamento chamá-la de Eaton – mas ao não escrever sobre sua herança chinesa com nuances, como acontece neste projeto, é retirado o valor de ela ter afirmado sua ancestralidade, o que na época era muito importante porque os chineses eram muito maltratados na América do Norte”.

O porta-voz da Baileys disse: “A partir de nossa pesquisa, aprendemos que Edith Maude Eaton / Sui Sin Far usou muitos pseudônimos em seu trabalho. No desenvolvimento desta coleção, mantivemos contato com um membro da família de Edith Maude Eaton / Sui Sin Far a respeito da inclusão de seu livro. Se o membro da família quiser, podemos alterar o nome dela.”

Alguns leitores têm debatido a inclusão de autores específicos para os quais um pseudônimo masculino não era apenas uma forma de navegar pelo esnobismo sexista ou evitar perseguição. Um porta-voz da Baileys disse: “Pela pesquisa que fizemos, descobrimos que muitas autoras publicaram seus trabalhos com pseudônimos masculinos ou neutros em termos de gênero por uma ampla variedade de razões, algo que reconhecemos em nosso comunicado à imprensa. Aprendemos que, para algumas, tal movimento foi uma escolha criativa ou um experimento de anonimato. No entanto, para muitas das escritoras que encontramos, usar um pseudônimo masculino era visto como a única opção se esperassem ser levadas a sério em um gênero dominado por homens, atingir um público mais amplo ou mesmo serem publicadas.”

“Sou cética quanto a isso”, escreveu Grace Lavery, professora de literatura inglesa da UC Berkeley, no Twitter. “As autoras do século XIX não foram forçadas a usar pseudônimos masculinos; a escrita literária sempre foi uma prática de autoformação imaginativa. Por mais bem-intencionado que seja, esse projeto prejudica a imponente obra literária de George Eliot, Vernon Lee e outras.”

Lee, uma autora do século XIX que foi incluída na série, costumava se referir a si mesma como Vernon Lee em correspondências e conversas, e pesquisadores acreditam que a adoção de nome e vestimentas masculinas permitiu que ela expressasse sua sexualidade e gênero, bem como estabelecer uma persona profissional distinta.

“Precisamos reconhecer os nomes que as autoras escolheram para si mesmas, por respeito”, disse Chapman. “Talvez em casos raros, a indústria editorial patriarcal as oprimisse tanto que elas não tinham outra opção a não ser esconder toda a sua carreira atrás de outro nome. Mas no caso de George Sand e Lee, eles escolheram esses nomes. Por respeito, devemos honrar isso.”

“Há muito potencial aqui”, acrescentou ela. “Mas usar uma agência de publicidade para um projeto como este não é o que eu esperava do Women’s Prize. Eles desperdiçaram uma oportunidade.”

O George Eliot Fellowship também se manifestou em nota oficial:

 

Os membros do George Eliot Fellowship desejam deixar claro que não possuímos a intenção de renomeá-lo como:

The Mary Ann Evans Fellowship
The Mary Anne Evans Fellowship
The Marian Evans Fellowship
The Marian Evans Lewes Fellowship
The Mrs John Cross Fellowship
The Marian Cross Fellowship

conscientes como estamos de que não é nosso lugar dizer ao século XIX como eles deveriam ter se comportado (havendo manchas mais do que suficientes em nossos próprios olhos), e conscientes também do pedido da autora, em uma carta para James AH Murray, 5 Dezembro de 1879, (GEL 9: 279) que:

“Desejo sempre ser citada como George Eliot. Agradecendo sua cortês solicitude sobre este ponto, permaneço,

Atenciosamente,
M.E Lewes “

 

No Twitter, a professora e escritora Sunny Singh também manifestou seu desconforto em relação à iniciativa:

Isso me incomoda. Eu publico usando meu apelido, que muitas vezes é lido como masculino. Isso foi útil quando eu era um jovem jornalista e mesmo – creio eu – agora. Eu não gostaria que um estranho – especialmente depois de minha morte – decidisse me publicar com meu nome completo. Consentimento é importante. Parece mais um apagamento de suas identidades históricas e literárias do que uma “reivindicação” de seus nomes. E parece mais um gesto performativo do que qualquer coisa significativa. Certamente seria mais “feminista” encomendar novas traduções de Sand, por exemplo? A maior parte de sua obra está esgotada em inglês. Ou encomendar e publicar adequadamente mais obras de mulheres (e não apenas de mulheres brancas elegantes)? Mas, no fundo, é a desconsideração presunçosa do consentimento que realmente me perturba, preocupa, aborrece com isso. Todo e qualquer feminismo deve ter consentimento ativo e contínuo como sua base. Isso não funciona! Aguarda ansiosamente que todos os livros de Rowling sejam publicados com seu nome “de batismo”. (risos)

Publicado por

Professora na UERJ | Website

Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.

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