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Resenha: Such a Fun Age de Kiley ReidLeitura em 4 minutos

Foto do livro SUCH A FUN AGE de Kiley Reid sobre um fundo branco.

Anunciado como “um dos romances de estreia mais esperados de 2020”, Such a Fun Age de Kiley Reid foi publicado oficialmente em dezembro nos Estados Unidos e no dia 7 de janeiro no Reino Unido sob a pressão de corresponder ao imenso hype em torno da obra. Reid não decepciona. Com ritmo, tom, enredo e construção de personagens impecáveis, a autora estadunidense exibe em sua estreia a maturidade de uma escritora mais experiente.

Such a Fun Age se inicia com uma ligação telefônica. Nossa protagonista, Emira Tucker, recebe uma chamada de sua chefe, Alix Chamberlain, no meio da festa de aniversário de uma de suas melhores amigas.

Perto da 23h, Mrs. Chamberlain tem uma emergência em casa e pede que Tucker, babá de sua filha de dois anos, busque a menina em casa e a leve para o mercado do bairro (que fica aberto até as 24h) para distrair Briar enquanto os pais chamam a polícia. Emira explica que está em uma festa de aniversário e que, portanto, não está vestida de acordo com a função que desempenha quando trabalha para os Chamberlain. Alix declara que não há problema e promete dobrar o valor que paga por hora trabalhada para Emira.

Já no mercado, Emira e Briar são interpeladas pelo guarda da loja, que, incitado por uma cliente desconfiada, questiona qual é a ligação entre a babá e a criança. Quando Emira explica, eles duvidam dela, apontam sua roupa e o horário como elementos suspeitos e a situação escala rapidamente. Um homem que fazia compras começa a filmar a cena (segundo ele, para que Emira tenha provas) e a confusão só é resolvida quando Tucker telefona para o pai de Briar e Peter Chamberlain corre até a loja.

O incidente na loja e a origem da desconfiança da cliente e da agressividade do guarda, que acusa Emira de ter sequestrado Briar, transparecem prontamente para o leitor. Emira é negra e a ocorrência é mais uma entre milhares que pessoas não-brancas enfrentam nos Estados Unidos todos os dias.

Ao longo do livro, no entanto, o que vemos são manifestações e comportamentos racistas mais sutis, que partem de pessoas que não apenas não se consideram como tal, mas se veem como aliadas. A maior parte desses comportamentos partem de Alix – que após a ocorrência no mercado desenvolve uma obsessão e uma quedinha por Emira – e de Kelley, o homem que filmou a cena no mercado.

Emira e Kelley se reencontram por acaso no trem e após algum tempo começam a namorar. Kelley Copeland e Alix Chamberlain se consideram liberais no sentido estadunidense do termo, o oposto de conservadores, e ambos tentam (às vezes, de forma constrangedora e inadequada) defender os interesses de Tucker. O grande problema é que na maior parte das vezes, os dois se esquecem da capacidade de agência da própria Emira e suas atitudes a silenciam (ou tentam silenciar).

Paralemente, Tucker lida com as pressões da vida adulta: prestes a completar 26 anos de idade, ela será automaticamente excluída do plano de saúde dos pais e seus empregos atuais – como babá dos Chamberlain e digitadora do Green Party – não oferecem vínculo e nem, portanto, benefícios. Suas amigas, pelo contrário, estão sempre comemorando alguma promoção, marcos em relacionamentos estáveis e vitórias profissionais.

Emira frequentemente sente que está ficando para trás em algum tipo de corrida, pressionada para alcançar o grupo e sem saber exatamente o que gostaria de fazer. Ela desenvolve um vínculo profundo e sincero com Briar, filha mais velha e negligenciada por Alix e teme deixar o trabalho por oportunidades melhores por causa dela.  

Muitos dos desafios de Emira – sempre permeados por uma ansiedade de performar adulthood – serão reconhecíveis para leitores na faixa etária da protagonista. A geração millennial frequentemente discute – na ficção, em ensaios, tweets e editoriais – um senso de não-satisfação de expectativas, de de que os marcos que tradicionalmente definem a ruptura com a adolescência e a passagem para a vida adulta não chegam para nós em meio a um cenário econômico desfavorável, débitos estudantis, salários baixos e preços exorbitantes.

Reid combina essa tensão com a forma como Emira navega o racismo cotidiano das pessoas que a cercam de forma perspicaz, leve e, frequentemente, bem humorada. Para além da qualidade narrativa e temática de sua obra de estreia, Reid constrói personagens com refinamento, oscilando entre pontos de vista e se esquivando de simplificações.

Such a Fun Age tem grande potencial para ser indicado ao Booker Prize e ao Women’s Prize for Fiction em 2020 pelo frescor da proposta e pela maestria na execução. Aguardaremos com ansiedade as próximas publicações da autora estadunidense.

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Professora na UERJ | Website

Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.

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