Literatura Inglesa Brasil

Resenha: Na terra somos belos por um instante, de Ocean Vuong

A imagem inclui uma foto colorida do escritor Ocean Vuong, que assina um exemplar do romance objeto da resenha.

“Emerging from the most marginalized circumstances, [Vuong] has produced a lyrical work of self-discovery that’s shockingly intimate and insistently universal.” 

          — The Washington Post

“Estou de novo pensando na beleza, em como algumas coisas são caçadas porque achamos que elas são bonitas. Se, comparada com a história do nosso planeta, uma vida individual é tão curta, um piscar de olhos, como dizem, então ser belo, mesmo que do dia em que você nasce até o dia em que você morre, é ser belo apenas por um instante. […] Porque o pôr do sol, assim como a sobrevivência, existe apenas à beira de seu desaparecimento. Para ser belo, você primeiro precisa ser visto, mas ser visto sempre permite que você seja caçado.”

 

O livro de Ocean Vuong me atraiu desde que li o seu tão poético título — On earth we’re briefly gorgeous — pela primeira vez. Essa característica mimetiza fielmente a forma como o livro foi desenvolvido e também reflete a obra do escritor como um todo: foi o primeiro romance do autor vietnamita-americano, lançado em 2019 pela Press Penguin, e as suas características estilísticas derivam do fato de Vuong ser um poeta e funcionam como um parâmetro que nos permite dizer que “Na terra somos belos por um instante” (assim traduzido para o português) é como um poema com proporções extensas, de romance. 

Além desse aspecto inicial bem convidativo, a premissa do livro já se revela singular desde o primeiro momento: é uma obra epistolar, em que o protagonista, já perto dos seus 30 anos, escreve uma carta para a sua mãe analfabeta, na qual relata aspectos diversos da sua vida, mesmo sabendo que esse fato não lhe traria, a princípio, nada além de um profundo silêncio como resposta. Entretanto, o ato de escrever algo que nunca seria lido pela sua leitora ideal torna a carta de Cachorrinho um escrito também para si, já que rememorar lembranças antigas muitas vezes significa, também, entendê-las de uma forma melhor. Essa não-resposta possibilita que o escritor-narrador conte os acontecimentos de uma forma detalhada e com uma sinceridade tocante, o que ajuda a criar uma atmosfera sentimental muito grande, própria de um romance de formação. A não-resposta inicial é, desta forma, uma resposta para si mesmo sobre as diversas relações e processos traumáticos que permearam a vida desse jovem e a sua vivência enquanto um imigrante queer nos Estados Unidos, mostrando a dor e a beleza das descobertas juvenis.

Pode-se dizer que “Na terra somos belos por um instante” é um livro sobre relações e como estas tem um papel fundamental na formação do ser humano, e como as singularidades de Cachorrinho enquanto parte de minoria social nos Estados Unidos afetam a sua relação com o mundo e a sociedade ao seu entorno. O próprio apelido do personagem, que até então certamente provocou certo estranhamento para o leitor dessa resenha, é um fruto da sua relação amorosa, mas tensa, profunda e cheia de nuances com essa sua mãe, a quem a carta se dirige: e aqui o rapaz relembra suas experiências como uma ponte entre os dois mundos — sua família vietnamita, suas origens e relações com seu país, assolado pela guerra do Vietnã e o refúgio em um país de língua e cultura tão diferentes. Conforme o passar e a rememoração do tempo, é mostrado também como ele se relaciona consigo mesmo nesse contexto, e a sua experiência em um país imerso em vícios, adoecido e desorientado em violências cotidianas, trazendo diversos debates sobre raça, classe e masculinidade, enquanto podemos acompanhar tanto os seus ganhos quanto perdas, quanto a sua relação com o primeiro amor. 

Dessa forma, as origens, as reverberações de uma guerra e das pequenas guerras cotidianas, os choques de cultura e as experiências mistas, mas ainda sim felizes, belas por algum instante, criam um relato honesto sobre como a vida nos molda em pessoas únicas e singulares. Seu formato faz com que, muitas vezes, o livro pareça muito pessoal e intimo, e isso faz com que seja muito fácil se conectar com o escritor-narrador e seus questionamentos sobre a vida e a morte, e as pequenas coisas tão significativas que as permeiam.

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