Em um relato íntimo, publicado oito anos após a morte de seu parceiro, Priscilla Beaulieu Presley narra a história de como conheceu seu ídolo e se tornou sua esposa, longe dos flashes das câmeras e dos palcos extravagantes.
Priscilla tinha apenas 14 anos quando foi apresentada a Elvis Presley, como revela em seu livro de 1985:
Ele fez parte da minha vida por dezoito anos. Quando nos conhecemos, eu tinha acabado de fazer quatorze. Os primeiros seis meses que passei com ele foram recheados de ternura e afeição. Cega pelo amor, eu não enxergava seus defeitos ou fraquezas. Ele iria se tornar a paixão da minha vida.
Ele me ensinou tudo: como me vestir, como andar, como usar maquiagem e arrumar meu cabelo, como me comportar, como retribuir amor—do seu jeito. Ao longo dos anos, ele se tornou meu pai, marido, e quase Deus. Agora ele se foi e eu nunca me senti tão só e com tanto medo na minha vida. [1]
A jovem, deslumbrada por estar vivendo um romance que, até então, nem considerava possível, narra em seu Memoir uma história de profunda admiração e devoção, mas também de manipulação. Quando a relação teve início, Priscilla e Elvis estavam na Alemanha, na base militar para a qual o pai dela havia sido transferido. Lá, Priscilla foi apresentada ao cantor e começou a frequentar sua casa e, desde o primeiro momento, ela se vê apaixonada por esse homem mais velho que demonstra ser confiável, mas que parece ter como objetivo justamente deixá-la enfeitiçada por ele, atendendo a todos seus caprichos.
Eu me sentei ao seu lado, quieta, mas fiquei tocada por sua qualidade vulnerável, de menino. Ele continuou dizendo que nosso relacionamento seria importante para ele e que ele precisava de mim. Era outubro e ele iria voltar aos Estados Unidos em seis meses, Ele conhecia várias garotas, ele dizia, e muitas tinham o visitado assim como eu, mas eu tinha sido a primeira com quem ele sentiu uma proximidade verdadeira. [2]
Elvis, durante noites passadas em seu quarto na base militar com Priscilla também conversava sobre suas expectativas acerca de sua esposa ideal, deixando-a insegura e determinada a sempre agradá-lo:
Eu não entendia sua dificuldade em revelar suas fraquezas para mim. Só depois percebi o quão importante era para Elvis sempre parecer estar no controle na minha frente. Sempre que eu demonstrava alguma opinião mais forte, especialmente se fosse diferente da dele, ele me lembrava que era o sexo mais forte e que, como mulher, eu tinha o meu lugar. Ele gostava de dizer que a mulher devia ficar ao lado esquerdo do homem, perto de seu coração, de onde ela o apoia e dá-lhe força. [3]
Depois de seis meses vivendo uma fantasia com Priscilla, Elvis retorna à sua vida em Hollywood, deixando a jovem devastada, especialmente com rumores nos jornais de que ele estaria namorando a famosa Nancy Sinatra, apesar de ter prometido que não iria esquecê-la.
Ele era o ídolo sexual de milhões e podia escolher quem quisesse, quando quisesse. Eu rapidamente aprendi, para a minha própria sobrevivência, a não fazer muitas perguntas. [4]
Eventualmente, após dois anos de espera e pouco contato através de ligações telefônicas, Elvis convida Priscilla, agora com 16 anos, para visitá-lo em Los Angeles, levando-a para conhecer uma vida de extravagâncias e excessos, com drogas e álcool. Se antes o problema eram as outras mulheres na vida de Elvis, que partilhavam da atenção do cantor, agora eram os remédios:
Suas palavras começaram a se embaralhar. Suas reações ficaram lentas. Ele me puxou para perto e me disse, repetidamente, “ Estou feliz que esteja aqui…” E, então—silêncio. Eu olhei para os frascos de comprimidos perto da cama e entendi que eu ainda tinha competição. [5]
Entre abuso de substâncias e abuso psicológico, além das frustrações de Elvis com o caminho que sua carreira estava tomando, Priscilla permaneceu ao seu lado por diversos anos, esperando que pudesse mudá-lo.
Lembrando daquele primeiro incidente em Vegas, eu realmente senti que nosso relacionamento tinha evoluído ao ponto dele querer minha opinião honesta.
“Eu realmente não gostei,” eu disse.
“Como assim, você não gostou?
“Eu não sei—tem alguma coisa, algo de cativante que está faltando.”
Para o meu horror, uma cadeira veio arremessada na minha direção.
Eu saí da direção a tempo, mas havia pilhas de discos sobre ela e um deles voou e me acertou no rosto. [6]
Passado um tempo, perto do Natal de 1966, Priscilla foi pedida em casamento. Para a alegria dela, e de seus pais, Elvis tinha finalmente decidido assumir um compromisso real com Priscilla, depois de anos de relacionamento repleto de promessas e inseguranças. Ela finalmente sentiu que estava sendo aceita pela sociedade como Priscilla Presley, e que conseguiria mantê-lo perto, como um marido fiel e constante em sua vida.
A realidade é que Elvis, após o casamento e o seguido nascimento de sua única filha, Lisa Marie Presley, se tornou cada vez mais frustrado e mais distante, buscando refúgio na religião. Depois de anos de carreira e um declínio gradual de sua fama, Elvis assinou um contrato que durou 7 anos no Hotel International, em Las Vegas, onde residia e se apresentava duas vezes por noite. É nessa fase que mais se distanciaram. Priscilla começou a entender que deveria ser mais independente e construir uma vida para si, ao invés de viver em função dele, que continuava a abusar de remédios. Eventualmente, Priscilla decide confrontá-lo e pôr um fim ao casamento, em 1973.
“Essa é provavelmente a coisa mais difícil que eu vou ter que dizer.” Eu dei uma longa pausa, incapaz de pôr as palavras para fora. “Estou indo embora.”
Elvis sentou e perguntou. “Como assim, embora?”
Nunca em todo o nosso casamento eu sugeri sair dessa forma.
“Estou falando do nosso casamento.”
(…)
Finalmente, ele perguntou, “Te perdi para outro homem?”
“Não é que você me perdeu para outro homem, você me perdeu para a minha própria vida. Estou me encontrando pela primeira vez.” [7]
Acredito que o objetivo do livro e deste relato tão íntimo tenha sido, não de pintar Elvis Presley como uma pessoa terrível e manipuladora, mas sim de demonstrar o quanto a influência daqueles que idolatramos pode ser danosa. Priscilla foi uma jovem que, por amar tanto seu ídolo e, posteriormente, marido, acabou tendo suas ambições e até sua própria personalidade apagadas em favor das vontades dele. Entende-se, então, que Elvis and me fala sobre amor, relacionamentos tóxicos e a busca pela individualidade feminina.
Sua paixão era entreter seus amigos e fãs. Seu público era o seu amor verdadeiro. E o amor que eu e Elvis compartilhamos era profundo e duradouro.
Ele era, e continua sendo, a maior influência na minha vida. [8]
Elvis and me foi adaptado para o cinema recentemente, pela diretora Sofia Coppola, em 2023.
Notas:
[1] He had been a part of my life for eighteen years. When we met, I had just turned fourteen. The first six months I spent with him were filled with tenderness and affection. Blinded by love, I saw none of his faults or weaknesses. He was to become the passion of my life.
He taught me everything: how to dress, how to walk, how to apply makeup and wear my hair, how to behave, how to return love—his way. Over the years he became my father, husband, and very nearly God. Now he was gone and I felt more alone and afraid than ever in my life. (p.15)
[2] I sat next to him, saying nothing, but I was touched by his vulnerable, boyish quality. He went on to say that our relationship was going to be important to him and that he needed me. It was October and he was scheduled to return to the States in six months. He knew lots of girls, he said, and many had come to visit as I had, but I was the first girl with whom he felt a real closeness. (p. 33)
[3] I didn’t understand his difficulty in revealing his weaknesses to me. Only later did I realize how important it was to Elvis to always appear in control in front of me. Whenever I stated my own opinions too strongly, especially if they differed from his, he’d remind me that his was the stronger sex, and as a woman, I had my place. He liked to say that it was intended for woman to be on the left side of men, close to his heart, where she gives him strength through her support. (p.190)
[4] He was the sexual idol of millions and could choose whomever he wanted, whenever he wanted. I quickly learned, for my own survival, not to ask too many questions. (p.50)
[5] His words were starting to slur. His reactions slowed down. He pulled me closer and told me, again and again, “I’m glad you’re here…” And then—silence. I looked over at the bottles of pills near the bed and realized I still had competition. (p.79)
[6] Remembering that first incident in Vegas, I truly felt our relationship had developed to where he would want my honest opinion.
“I don’t really like it,” I said.
“What do you mean, you don’t like it?”
“I don’t know—there’s just something about it, a catchiness that’s missing.”
To my horror, a chair came hurtling toward me.
I moved out of the way just in time, but there were stacks of records piled on it and one flew off and hit me in the face. (p.193)
[7] “This is probably the most difficult thing I’m ever going to have to say.” I took a long pause, hardly able to get the words out. “ I’m leaving.”
Elvis sat up and asked. “What do you mean, leaving?”
Never in the entire time of our marriage had I ever suggested walking out on him.
“I mean our marriage.”
(…)
Finally he asked, “Have I lost you to another man?”
“It’s not that you’ve lost me to another man, you’ve lost me to a life of my own. I’m finding myself for the first time.” (p.300)
[8] His passion was entertaining his friends and fans. His audience was his true love. And the love Elvis and I shared was a deep and abiding one.
He was, and remains, the greatest influence in my life. (p.318)