Título: Call It What You Want
Autora: Brigid Kemmerer
Editora: Bloomsbury
Gênero: Romance YA
Ano de publicação: 2019
É como se tivéssemos esculpido um espaço para além da realidade, onde podemos nos esconder do mundo real por um tempinho. (p. 257)
Call It What You Want é o décimo romance da autora estadunidense Brigid Kemmerer. Obras da escritora, como A Curse So Dark and Lonely, More Than We Can Tell e Letters to the Lost, encabeçaram a lista de best-sellers do The New York Times quando foram publicados. O romance mais recente deve agradar o já fiel público da autora, com o potencial de atrair uma miríade de novos leitores com personagens complexos, relacionamentos envolventes e um enredo bem amarrado que adere e subverte convenções da literatura YA na medida certa.
Maegan e Rob habitavam extremos opostos no espectro da hierarquia social do ensino médio. Os papeis que eles desempenhavam pareciam identidades fixas e inquestionáveis. Essa falsa noção de permanência foi por água abaixo quando eventos (não relacionados) nas vidas dos dois os deslocaram de seus rótulos.
Maegan, aluna aplicada que tirava as melhores notas em todas as disciplinas, foi pega colando durante os SATs (equivalente estadunidense ao nosso vestibular). O pai de Rob, por sua vez, foi denunciado e preso por apropriação indébita após oferecer a muitas pessoas da comunidade participação em um esquema de investimentos de alto risco. Após uma tentativa de suicídio não concretizada, Robert Lachlan, Sr. vive com sequelas neurológicas graves.
A consequência da atitude de Maegan foi que não apenas ela, mas mais de 100 outros alunos tiveram seus exames anulados, desdobramento que tornou quase impossível sua convivência com os colegas. A consequência das atitudes do pai de Rob foi que, além de causar danos financeiros graves nas vidas de muitas pessoas do seu convívio, a vida do filho – no colégio e fora dele – se tornou infinitamente mais difícil. Como ele havia feito um estágio no escritório do pai, muitos dos seus colegas acreditavam que ele não apenas sabia do esquema como havia participado dele.
Maegan e Rob, quase sem amigos e deslocados das posições que ocupavam antes no colégio, se tornam inseguros e solitários. Imprensados entre os papeis que desempenhavam antes e os estigmas que os marcavam agora, eles tentam descobrir quem poderiam ser para além dos rótulos.
Um trabalho em dupla aproxima os dois (imensamente impopulares, a parceria se deu de forma quase inevitável) e, com cada um descobrindo no outro um ouvinte realmente interessado, uma amizade improvável se desenvolve. Não é desprovida de obstáculos a jornada de Maegan e Rob. Na realidade, além de lidarem com suas inseguranças e de precisarem rever a forma como enxergaram a si próprios e aos outros, os dois aprendem a aceitar tanto que as consequências de suas escolhas reverberam para muito além do momento imediato, quanto que é perfeitamente aceitável errar e tentar outra vez.
Embora alguns dos expedientes de que a autora lança mão para levar o enredo adiante soem um pouco forçados (algo que não podemos discutir em detalhes sem adentrar o território dos spoilers), é admirável que ela não tente oferecer ao leitor um desfecho que restabeleça plenamente a ordem do universo dos personagens. Maegan e Rob são forçados a seguir sempre adiante, assumindo a responsabilidade por suas escolhas e, por vezes, lidando com as consequências das escolhas dos outros.
Com doses bem distribuídas de romance, amizade, dramas familiares e suspense, o novo livro de Brigid Kemmerer celebra a aceitação da falibilidade humana. Para o seu público alvo, Call It What You Want atua como uma espécie de espelho: para além dos dramas particulares dos protagonistas, o romance reflete muitas das inquietações da adolescência, uma das fases mais turbulentas de nossas vidas. No fim das contas, fica claro que categorias impostas não dão conta de subjetividades complexas. Um esforço bem-sucedido de uma autora já experiente e muito bem complementado por um tratamento editorial excelente da Bloomsbury, Call It What You Want oferece uma experiência de leitura leve, mas pé-no-chão.