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As cartas de MiddlemarchLeitura em 9 minutos

As Cartas de Middlemarch

De 1869, quando começou o processo de escrita de Middlemarch, até alguns anos após a conclusão da publicação da obra, Marian Lewes –  George Eliot – escreveu muitas entradas de diário e cartas falando sobre o romance. Nestes textos ela, George Henry Lewes e John Blackwood falam sobre as expectativas e o projeto de publicação, o desenvolvimento dos livros que compõem a obra e, por fim, da felicidade da autora com a recepção de um romance tão ambicioso. No post de hoje, que acompanha o vídeo discutindo o material no YouTube, trago recortes deste material traduzidos por mim.

GEORGE ELIOT

Diário, Londres, 1º de janeiro de 1869

Uma manhã fria e resplandescente! E nós dois estamos bem. Os criados terão seu pequeno deleite, e nós vamos visitar o sr. e a sra. Burne Jones e levar um livro para seu filhinho. Eu me propus muitas tarefas para este ano – me pergunto quantas serão realizadas? Um romance chamado Middlemarch, um poema longo sobre Timoleon e vários poemas menores.

GEORGE HENRY LEWES

Carta a John Blackwood
Shottermill, 7 de maio de 1871

Meu caro Blackwood,

Aqui estamos tranquilamente acomodados para o verão e espero que você possa nos visitar (estação Haslemere) algum dia e sair do vórtice de Londres.

Enquanto isso, aqui está algo para você revirar em sua mente e vir preparado para discutir. A sra. Lewes acha que vai precisar de 4 volumes para sua história, não 3. Eu estremeci com a ideia no início, mas a história não deve ser estragada por falta de espaço, e como você já falou mais de uma vez da conveniência de inventar algum modo de burlar as Bibliotecas e fazer o público comprar em vez de pegar emprestado. Eu desenvolvi o seguinte esquema, sugerido pelo plano que Victor Hugo seguiu com seus longos Misérables – ou seja, publicá-lo em parcelas de meio volume em intervalos de um, ou como acho melhor, dois meses. As oito partes a 5/- poderiam render as 2 £ por quatro volumes, e a intervalos de dois meses não seria mais caro que a Maga [nota de tradução: Maga é uma referência à Blackwood’s Magazine]. Cada parte teria uma certa unidade e completude em si mesma com título separado. Portanto, a obra é chamada Middlemarch. A parte 1 será a Miss Brooke.

Se em uma capa dura – atraente, mas nada bookstallish [nota de tradução: bookstalish faz referência aos livros vendidos em bookstalls, ou seja, vulgar, barato] – eu tenho algo em mente, essa parte deve seduzir os compradores, especialmente se Mudie tiver uma escassez de suprimentos. Bastaria munir a cidade de conversa por algum tempo, e cada parcela, assim, manteria e aumentaria o interesse geral. Tristram Shandy, você deve se lembrar, foi publicado em intervalos irregulares; e grande era o desejo pela continuação. Considerando a lentidão com que a mente do público é posta em movimento, essa divulgação da publicação ao longo de 16 meses seria uma vantagem decisiva para as vendas – especialmente porque cada parte conteria tanto quanto se deveria ler de cada vez.

Pondere isso; ou sugira um plano melhor!

Sempre seu fielmente,
G.H. Lewes

JOHN BLACKWOOD

CARTA A GEORGE ELIOT
St. Andrews, 20 de julho de 1871

Minha querida Sra. Lewes

Li a segunda parte de Middlemarch com a maior admiração. É um estudo maravilhoso da vida humana e da natureza. Você é como uma grande gigante andando entre nós e fixando em sua tela cada um que encontra. Em toda essa galeria vivaz que você coloca diante de nós, cada traço em cada personagem encontra um eco ou uma lembrança na mente do leitor que lhe diz o quanto é fiel à Natureza.

Foi uma decepção no começo não encontrar nenhum dos meus velhos amigos da parte anterior, todos exceto Lydgate aparentemente inteiramente estranhos, mas como você expressa lindamente, nunca sabemos quem deve influenciar nossas vidas enquanto “O destino se mantém sarcástico com nosso dramatis personae dobrado em suas mãos”. O elaborado quadro da formação do caráter de Lydgate é fortemente aliviado pela tremenda aventura francesa em que caiu o sábio e jovem Doutor. Seria interminável tentar me referir a todos os acertos e reviravoltas felizes. Aquela sílfide capturada jovem e aperfeiçoada pela sra. Lemon é um grande sucesso, e eu gosto do pobre Ned. Onde você ouviu aqueles lavradores falando? O quarto de Willie na George St. se abre em meu quarto e muitas vezes ouço as misteriosas palavras de sabedoria fluindo entre ele e seus amigos lavradores. Você captou o tom exato.

A família Farebrother é uma delícia, uma imagem perfeita. Lendo todos os vários personagens deste segundo volume – pois na verdade é quase um volume – eu tinha esquecido completamente o sr. Brooke, mas reconheci sua voz no momento em que ele entrou na sala na reunião para a eleição de capelão. Há algo extraordinariamente bom em Mary Garth que tem suas “tentações peculiares” de não aceitar “bom senso e bom princípio” “pré-misturados” e é difícil pensar que ela deva ser chamada de “uma feiosa” ao lado da bela Rosamond.

Acho que nosso plano de publicação é o correto, pois as duas partes são quase distintas, cada uma completa em si. De fato, haverá queixas quanto à falta do interesse contínuo de uma história, mas isso não importa onde tudo é tão fresco e fiel à vida. Cada grupo que você apresenta é um pequeno livro completo ou estudo em si. Devolvo o precioso manuscrito registrado. Você já observou o quanto sua letra está menor e mais junta? Quando puder dispensar o manuscrito, gostaria de calcular a quantidade. Tenho certeza de que há o equivalente a um volume de um romance comum no que devolvo agora.

***

John Blackwood

 

GEORGE ELIOT

CARTA A JOHN BLACKWOOD
Redhill, 4 de agosto [1872]

Meu caro Sr. Blackwood

***

Gosto de pensar que sua jornada foi um sucesso. Mas eu tinha certeza de que, a menos que problemas de saúde ou mau tempo a alcançassem, tanto a sra. Blackwood quanto você deveriam ter grande felicidade em levar aquela filha brilhante e adorável para o exterior e observar suas novas impressões.

***

Enviarei a Parte VII. em alguns dias. Já que o sr. Lewes me diz que o ‘Spectator’ me considera a mais melancólica entre os autores, talvez seja uma garantia bem-vinda para você que não haja nenhuma tragédia não redimida na solução da história.

O sr. Lewes examina os jornais antes que eu os veja, e corta qualquer crítica que se refira a mim, para me salvar desses calafrios espirituais – embora, infelizmente, ele não possa me salvar dos calafrios físicos que retardam meu trabalho mais seriamente. Eu esperava ter o manuscrito fora de minhas mãos antes de deixarmos este lugar no final do mês, mas o retorno de meus problemas dispépticos me torna incapaz de contar com tal resultado.

Será um bom plano, penso eu, acelerar a publicação no final; mas estamos convencidos de que o lento plano de publicação foi de imensa vantagem para o livro no aprofundamento da impressão que produz. Ainda assim, estremeço um pouco ao pensar que livro longo ele será – não tão longo quanto ‘Vanity Fair’ ou ‘Pendennis’, no entanto, de acordo com meus cálculos.

Como são bons os artigos sobre costumes franceses e a vida doméstica na ‘Maga’. O espírito com que foram escritos é excelente. O manuscrito de ‘Middlemarch’ traz a seguinte inscrição: “Para meu querido marido, George Henry Lewes, neste décimo nono ano da nossa união abençoada.”

 

Sempre sua verdadeiramente
M.E. Lewes

GEORGE ELIOT

Carta para Harriet Beecher Stowe
[Londres, outubro? 1872]

***

Como você é boa e generosa comigo! Quando penso no quanto você viveu, o ardor de sua simpatia por mim, tão longe quanto estou, parece mais maravilhosa e preciosa. Muito obrigada, querida amiga, por cada palavra amorosa e útil que você me enviou. Mas nem por um momento imagine que a experiência de casamento de Dorothea é extraída da minha. Impossível conceber qualquer criatura menos parecida com o sr. Casaubon do que meu marido caloroso e entusiasmado, que se importa muito mais com o meu estado do que com o dele próprio, e é um milagre da liberdade de todo ciúme de autor e de toda suspeita. Receio que os matizes de Casaubon não sejam totalmente estranhos à minha própria compleição mental. De qualquer forma, sinto muito por ele.

***

 

Sempre sua com muita gratidão e carinho,
M.E. Lewes

GEORGE ELIOT

Diário, 1 de janeiro de 1873

1º de janeiro de 1873. No início de dezembro foi publicado o oitavo e último livro de Middlemarch, sendo os três números finais publicados mensalmente. Nenhum livro meu anterior foi recebido com mais entusiasmo, nem mesmo Adam Bede, e recebi muitas garantias profundamente comoventes de sua influência para o bem nas mentes individuais. Dificilmente poderia ter acontecido alguma coisa que eu pudesse considerar como uma bênção maior do que o crescimento de minha existência espiritual quando minha existência corpórea está se deteriorando. As satisfações meramente egoístas da fama são facilmente anuladas pela dor de dente, e isso se tornou minha consciência principal na última semana. Esta manhã, quando eu estava com dor, e tomando um café da manhã melancólico na cama, alguma criatura de natureza doce enviou um lindo buquê para mim, amarrado com o desejo escrito de que “cada ano seja cada vez mais feliz, e que a bênção de Deus possa sempre permanecer com a autora imortal de Silas Marner.” Felizmente, meu querido marido está bem e pode desfrutar dessas coisas por mim. Que ele se regozije com elas é meu prazer pessoal mais distinto em tais homenagens.

***

Referência: ELIOT, George; HORNBACK Bert G. (Ed). Middlemarch. New York: W. W. Norton & Co., 2000.

Publicado por

Marcela Santos Brigida
Professora na UERJ | Website

Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.

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