O adorado clássico da fantasia infantil O Mágico de Oz (1900), escrito pelo norte-americano L. M. Baum já originou diversas adaptações, mas também uma obra original de certa independência, intitulada Wicked, que vem sendo muito prestigiada. O livro criou uma história que visava dar uma maior relevância para duas bruxas icônicas de Oz, fantasiando sobre o que teria dado origem aos seus papeis tão opostos na história de Baum, com um tom mais sombrio e político. Essa reimaginação do mundo de Oz foi, então, adaptada e recriada para o teatro musical da Broadway e, com o tempo, ganhou o mundo (e o coração dos espectadores) com diversas montagens.
No final de novembro, a primeira parte de sua adaptação cinematográfica, muito esperada pelo público geral, teve a sua estreia ao redor do globo, em uma produção ambiciosa que conta com Cynthia Erivo no papel de Elphaba e Ariana Grande como Glinda.
O filme tem início em meio às comemorações que se seguiriam na terra dos Munchkins após a morte da Bruxa Má do Oeste, logo após o fim do que foi apresentado em O Mágico de Oz. A trama se desenrola com a presença emblemática de Glinda nesse momento, que parece pensativa mesmo ao comemorar junto com os cidadãos, que percebem a sua hesitação. Em meio à “No One Mourns the Wicked”, há um debate e um momento de reflexão, que surge em meio às perguntas do povo, sobre as origens da própria vilania e do passado de Elphaba. O gatilho principal da trama desenvolvida no musical é, então, uma pergunta muito recorrente no imaginário popular, que fez possível com que essa e muitas histórias sobre o passado de vilões até então imperdoáveis surgissem: O que torna as pessoas más?
Com uma atenção especial à pergunta, Glinda cautelosamente tece a história de como ela conheceu e se tornou amiga da Bruxa Má, preservando as boas memórias e destrinchando um lado obscurecido de Elphaba para a comunidade. Não voltamos para esse presente ou para Glinda enquanto a Bruxa Boa do Norte, mas para o passado que culminou naquela sequência de eventos e para a sua identidade enquanto Galinda, ainda sem seus poderes mágicos.
A história das bruxinhas se inicia na Universidade Shiz em um encontro super desajeitado, em que já pode ser percebida a constante necessidade de autoexplicação de Elphaba sobre a sua cor — que, por ser única, era alvo de constantes piadas, rejeição e julgamento desde a sua primeira infância. Nesse momento, também conhece-se um lado muito autocentrado de Galinda, que é o que torna a primeira impressão das duas tão desagradável. No entanto, em meio aos diversos imprevistos, as duas são colocadas em uma situação a princípio torturante: Galinda e Elphaba teriam que dividir um quarto, colocando à prova a sua capacidade de convivência, em meio a todo o egoísmo e preconceito de Galinda. A situação desafiaria esse mesmo ódio existente entre as duas, à medida que elas se conhecem melhor e, com isso, o espectador também conhece as peculiaridades de cada uma e os seus espaços mentais.
Mesmo na primeira parte do filme, pode-se conhecer muito sobre Elphaba, o seu passado e tudo o que a moldou até aquele momento, mas as duas personagens se transformam conforme descobrem mais sobre si mesmas, em uma jornada em que inesperadamente embarcam juntas. Ao contrário de Galinda, Elphaba já chega com poderes em Shiz, e é isso que possibilita um mundo de esperanças para a personagem, explorado em “The Wizard and I”, em que expõe como gostaria de ser normal e considerada boa, parte de uma comunidade geral da qual é excluída. Pode-se perceber, então, que apesar do véu que joga sobre as próprias emoções para passar uma imagem forte, a personagem de Erivo é extremamente sentimental em seu interior e tocada por essa rejeição. Essa questão é amplamente contrastada por toda a popularidade de Galinda, que busca por uma validação de sua própria maneira e, conforme o sentimento profundo de ódio vai se dissipando, elas percebem esses reflexos.
Há diversos momentos no filme que exploram essa união, mas ela é muito simbolicamente explorada na icônica cena no Ozdust Ballroom, em que ela se consagra. Nesse momento, as duas personagens dançam juntas e se percebem muito semelhantes. Há um jogo de cenas que explora a individualidade de cada uma e um silêncio que as aproxima em meio a tantas vozes que ecoam no salão, um dos pontos altos da direção do filme. Esse ambiente é consideravelmente escuro, muito simbólico dessa esfera emocional tão densa, em contraste ao universo tão colorido de Oz (ainda que não tão vibrante como o de O Mágico de Oz (1939), muito influenciado pela técnica do technicolor).
Em meio a esse processo de conexão, os eventos que as redirecionam para o que se constituiria como o presente demonstrado no início do filme se desenrolam. Elphaba e Galinda percebem, em meio à busca pelo sonho original de Elphaba de mostrar a sua bondade, que a realidade se mostraria muito diferente. A decisão de Elphaba em desafiar o status quo e seguir o próprio destino a torna wicked, mas pode-se perceber que esse adjetivo pode ser atribuído a cada um dos personagens da história, por suas próprias motivações e caminhos individuais.
O filme é, assim como a história que o inspirou, independente, e qualquer espectador conseguirá entender a trama sem muito conhecimento desse universo, mas é inegável que essa adaptação é especialmente emotiva para todos os fãs da obra. Em meio ao filme, há diversas referências sutis a O Mágico de Oz (tanto o filme quanto sua famosa adaptação) e ao próprio musical, com participação das atrizes e dos demais artistas que tornaram tudo realidade. Essa homenagem é palpável até mesmo na dublagem para o português, por exemplo, já que as atrizes da montagem brasileira dão vida à história com a nossa versão super prestigiada.
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É graduanda em Letras - Inglês e literaturas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bolsista do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil, sob orientação da Profa. Dra. Marcela Santos Brigida.