Enaltecido como “o livro do verão” e a “leitura do ano”, recomendado por escritoras como Dolly Alderton e Elizabeth Gilbert, além de um sucesso instantâneo entre bookstagrammers e críticos, Three Women foi um dos lançamentos mais esperados de 2019. Sua publicação na primeira semana de julho de 2019 significou não apenas que o público geral finalmente poderia ler o livro de Lisa Taddeo, mas a resposta para uma questão inevitável: a obra sobreviveria ao hype? Elogiado por Emily Witt no The Guardian, o livro teve seus aspectos sublinhados por Lucy Scholes no The Telegraph. Atualmente, Three Women apresenta uma avaliação geral de 3,8/5 no GoodReads, uma média positiva. Eis o que podemos dizer sobre um dos livros mais aguardados de 2019.
A veia jornalística de Taddeo – duas vezes vencedora do Pushcart Prize pelos contos “42” (2017) e “Suburban Weekend” (2019) – pulsa forte em seu novo livro. Three Women, uma obra de não-ficção, é um estudo/relato sobre desejo feminino apresentado na forma de três narrativas. Em capítulos intercalados, Taddeo conta as histórias de Lina, Maggie e Sloane. As histórias – narradas em terceira pessoa do ponto de vista de cada uma das mulheres – focalizam relacionamentos específicos, mas abarcam boa parte da infância e juventude delas. No momento do relato, Maggie tem 23 anos, Lina está na casa dos 30 e Sloane tem cerca de 42.
Na introdução, Taddeo explica que sua ideia inicial era um projeto documentando relatos de homens mas que, conforme iniciou a fase de entrevistas, percebeu que enquanto o desejo masculino era mais direto e fugaz, extinguindo-se rapidamente e de forma descomplicada, o desejo feminino parecia ser mais complexo, se fixando em circunstâncias e elementos pouco óbvios. Já aqui sinalizamos um dos aspectos problemáticos do livro de Taddeo; embora ela parta do princípio que o desejo se manifesta de forma fixa e genderizada, separando-o entre homens e mulheres, os relatos que ela apresenta ao leitor não parecem, em nenhum sentido, cobrir o que seria uma espécie de experiência feminina geral no século XXI.
A autora explica que baseou sua seleção “dessas três mulheres na possibilidade de identificação com as suas histórias, sua intensidade e a forma como os eventos, se acontecidos no passado, permaneciam com as mulheres” (p. x). Mais adiante, ela se diz “confiante de que essas histórias comunicam verdades vitais sobre mulheres e desejo”, sublinhando, no entanto, que “essas três mulheres específicas detêm o comando de suas narrativas” (p. x), deixando claro ao leitor que seu propósito seria dar voz ao lado delas em suas histórias. No fim das contas, parece mais interessante ler o livro sob este último viés, aceitando os relatos – tanto no que são particulares quanto nos pontos em que podem gerar um senso de identificação na leitora – como experiências de escuta de um lado que é muitas vezes silenciado. Sob esta abordagem, o livro funciona melhor.
Lisa Taddeo é indubitavelmente uma excelente escritora. Sua prosa flui bem e a narrativa avança rapidamente, com o leitor curioso quanto ao que acontecerá a seguir. É impossível não se importar com as mulheres na página. Por outro lado, o esforço da autora para produzir esses relatos sem qualquer tipo de julgamento, procurando levar a página o que ela capturou como as visões e opiniões das mulheres retratadas sem nenhum filtro significa não apenas uma bem-vinda abstenção de juízo de valor, mas a propagação de visões problemáticas – muitas vezes preconceituosas e sexistas – que, presumimos, pertencem às mulheres retratadas. No entanto, sem uma nota da autora, tais posicionamentos parecem receber seu selo de aprovação. São raros – mas claros – os comentários de Taddeo e em nenhum desses momentos problemáticos ela se manifesta.
Three Women é um projeto imenso: ao longo de oito anos, Taddeo passou “milhares de horas com as mulheres neste livro – pessoalmente, pelo telefone, por mensagens de texto e e-mails”. Lisa chegou a se mudar para as cidades em que duas das mulheres moravam para “compreender o seu dia-a-dia” e conta que muitos dos momentos relatados no livro foram presenciados por ela. Taddeo sublinha que embora tenha entrevistado diversas pessoas – entre amigos e familiares – além de contado com diários e documentos legais, ela, no geral, se ateve ao ponto de vista das três mulheres.
Lina é casada com um homem que se recusa a sequer beijá-la na maior parte do tempo e ela se sente profundamente só. Quando um ex-namorado por quem era apaixonada no ensino médio faz contato via Facebook, os dois reatam um romance que, Lina sabe, significa apenas sexo para ele. Ainda assim, reconhecendo o desequilíbrio na relação, ela parece genuinamente feliz, se separando do marido distante ao longo do processo (embora saiba que Aidan não fará o mesmo por ela). Por mais problemático que o relacionamento seja, ele parece oferecer algum tipo de empoderamento para Linna e, ao final do livro, ela parece se sentir mais segura e capaz de encontrar uma situação de interesses mais equivalentes.
Alguns resenhistas explicaram Sloane como sendo parte de um casal que pratica swing. No entanto, não é exatamente essa a dinâmica da relação. Seu marido, Richard, gosta de vê-la fazendo sexo com outros homens e, embora ela não se sinta à vontade na situação, se submete para fazê-lo feliz. No entanto, a grande história de Three Women é a narrativa de Maggie, a única em que os nomes verdadeiros foram mantidos pela autora pelo fato de o caso ter sido objeto de um processo criminal e os registros serem públicos (presume-se que Maggie também não se importou de ter sua identidade associada à obra).
Maggie tinha 17 anos quando seu professor – casado, com dois filhos, aos 29 anos – começou a assediá-la. Para o leitor, fica muito claro desde o início que Aaron Knodel havia enxergado em Maggie Wilken uma oportunidade sexual que oferecia um risco muito pequeno. A jovem, no entanto, acreditou que ele havia se apaixonado quando Knodel disse isso para ela. Quando tinha 16 anos, Maggie viajou para o Havaí para passar um tempo com a irmã mais velha. Lá, ela se envolveu com um homem de 31 anos, com quem fez sexo pela primeira vez. A descoberta do relacionamento pela família da menina gerou um escândalo e uma crise interna. Quando a informação, de alguma forma, chegou aos ouvidos de seus colegas na escola, Maggie passou a sofrer bullying pelo abuso que sofreu, recebendo todos os rótulos cruéis possíveis e imagináveis.
Os pais de Wilken eram alcoólatras e isso complicava ainda mais a sensação de isolamento e solidão da jovem. Assim, ela resolveu contar o que estava acontecendo para um dos professores mais queridos e populares da escola, uma pessoa que parecia estar sempre atenta às necessidades e problemas dos alunos, supostamente disposta a ajudar. Uma das primeiras perguntas que Aaron Knodel, professor de inglês, fez a Maggie, foi por que os pais dela decidiram não prestar queixa contra o homem em questão. Logo ficou claro para ele que ninguém estaria muito atento caso ele se envolvesse com ela. Após uma série de mensagens de texto, telefonemas no meio da noite e um intenso relacionamento físico, Aaron rompeu com Maggie subitamente quando sua esposa descobriu a traição.
A jovem, que havia se isolado dos amigos e da família guardando o segredo desse relacionamento, entrou em um estado de depressão profunda e, mesmo após se formar no ensino médio, seguiu se sentindo desconfortável, trancando a faculdade diversas vezes e trabalhando como garçonete no que seria uma solução temporária que se estendeu por anos. Mesmo fazendo terapia, Maggie não conseguia compreender bem o que havia acontecido, o que aquela relação representava.
Tempos depois, Knodel foi eleito o melhor professor do estado. Este foi o gatilho para Maggie contar a verdade aos seus pais e denunciá-lo para a polícia. Após um julgamento cruel e amplamente divulgado na imprensa local de forma a vilanizar a “menina problemática que queria arruinar a reputação de um professor exemplar”, Knodel não apenas foi inocentado como manteve seu emprego na escola. Maggie foi taxada de mentirosa.
Embora Wilken não tivesse muitas provas materiais, os registros telefônicos das ligações – muitas após meia noite e algumas com duração de mais de quatro horas – e um exemplar de Crepúsculo (então o livro favorito dela) repleto de anotações e insinuações sexuais na caligrafia de Knodel foram desconsiderados pelos jurados. Mais grave foi o fato de que professores que haviam se mostrado preocupados com a proximidade entre Maggie e Aaron na época dos eventos – professoras mulheres, inclusive – testemunharam contra a jovem, que claramente sofria de distúrbios psicológicos pelo abuso que sofreu.
O leitor permanece à espera de uma reviravolta que nunca chega. A potência da história de Maggie é justamente mostrar que, muitas vezes, mulheres não são ouvidas por que aquilo que elas contam – a realidade do abuso – é inconveniente. Mesmo as pessoas que acreditavam em Maggie – que o relacionamento havia acontecido – ela não era enxergada como uma vítima. Supostamente, aos 17 anos ela deveria ter discernimento suficiente para não se envolver com um professor que ela admirava e que foi insistentemente se insinuando em sua vida.
Three Women é uma leitura intensa, mas não fácil. Os relatos coletados por Taddeo refletem muitas das vulnerabilidades da mulher no século XXI. A verdade mais cruel que a obra comunica é que os pontos em comum entre as experiências de Lina, Maggie e Sloane não são aqueles relativos ao objeto de estudo da autora. Não é no desejo em que suas histórias se encontram, mas no abuso e na violência. Elas reagem de formas diferentes aos momentos de crise, cada uma trilha seu próprio caminho, mas é uma realidade frustrante que, em um livro que se propõe a produzir relatos sobre o desejo feminino nos Estados Unidos no século XXI, a violência do desejo de alguns homens siga se sobrepondo à voz das mulheres, mesmo em suas próprias narrativas.