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Resenha: Noite de sexta, manhã de sábado (2007)Leitura em 3 minutos

A imagem apresenta a personagem feminina do filme de Kléber Mendonça Filho, olhando para a câmera durante uma chamada telefônica. A imagem está em preto e branco.

“Does it feel good? […] the feet on the sand ? 

“Yes, it’s like you are here”

 

O curta-metragem “Noite de sexta, manhã de sábado” (2007), dirigido por Kléber Mendonça Filho, em uma colaboração entre Brasil e Ucrânia, pode parecer fora do comum para um blog/projeto que se dedica às literaturas de língua inglesa. No entanto, a presença desses dois países de línguas tão distintas não apenas influencia os aspectos técnicos da produção, mas também é integralmente incorporada à narrativa do filme: nele, dois jovens se apropriam da língua inglesa, tão estrangeira quanto a própria relação do casal, como uma ponte entre seus respectivos mundos. Com o desenvolver do curta, percebemos que esses mundos não são tão particulares quanto parecem, já que eles compartilham de linguagens muito próprias que os unem nas andanças por suas respectivas cidades.

Acompanhamos uma ligação aparentemente corriqueira entre Pedro e sua correspondente estrangeira, da madrugada na capital pernambucana para uma manhã na cidade ucraniana, algo bem desafiador para o cenário tecnológico do começo dos anos 2000, em que o Brasil tinha certa defasagem em relação à Europa. Nessa ligação, os dois tentam se aproximar por meio da vida cotidiana e seus afazeres, e até mesmo sentir que compartilham um mesmo espaço em meio a saudade (ou, pelo menos, um filme simultaneamente em cartaz e o fato de poderem perambular pelas ruas de seus países juntos). 

O contraste entre a vida noturna e a calmaria da manhã cria uma crescente melancolia e é um dos fatores que pautam o ar caótico do filme, que resulta da confusão entre fusos horários distintos (e dos próprios personagens, principalmente de Pedro, em alguns momentos). 

Um escape momentâneo dos dois para a realidade da vida cotidiana, sem o conforto dos celulares, resulta em outro reencontro, que parece mais sólido. Essa segunda ligação, dentre muitas outras que devem ter sido compartilhadas, não fornece apenas uma conexão linguística muito simbólica e profunda, mas também a partilha do extralinguístico: Dasha e Pedro, apesar da distância, momentaneamente compartilham a visão de um mesmo sol, da sensação da areia em pés descalços e da vastidão do grande corpo de água que os separa. 

Essa pungência da saudade constantemente compartilhada emerge como fulcro de uma ruptura gradual, enquanto as disparidades sociais entre ambos também corroem o vínculo já fragilizado pelo acesso limitado e precário à tecnologia; e pela distância que intensifica cada vez mais um sentimento de solidão, mesmo com esses pequenos momentos de proximidade. Todos esses desafios são evidenciados pelos exageros de uma câmera tão ansiosa quanto as pessoas que ela captura, do barulho caótico do mundo urbano, da agitação do oceano e de um afastamento inevitável, ao qual não se quer encarar, mas que se faz presente na tensão aqui que envolve os dois.

Aqui, o poético é trágico e dolorosamente real, ainda mais ao se considerar que não há nenhuma informação sobre a relação dos dois além da distância do agora e todas as suas entrelinhas. Essa conexão transcende as fronteiras da linguagem, já que ao mesmo tempo que os sentimentos ecoam através do inglês, ele deixa de expressar certas angústias, que fluem por gestos e experiências compartilhadas, vividas e, ao mesmo tempo, não vividas em sua liquidez.

Publicado por

É graduanda em Letras - Inglês e literaturas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bolsista do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil, sob orientação da Profa. Dra. Marcela Santos Brigida.

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