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Resenha: Luxúria (2020), de Raven LeilaniLeitura em 4 minutos

Embora Raven Leilani tenha apenas um romance publicado até o momento, o The Guardian já sugere a escritora como uma voz muito representativa da sua geração. O elogio sugere Luxúria como uma leitura essencial para qualquer pessoa interessada em saber o que há de melhor na literatura contemporânea. Quando alguns jornais discutem Leilani, ela é às vezes comparada a outras autoras. Trata-se de uma prática comum, especialmente quando se trata de autoras estreantes. A escrita de Leilani é tão distintiva e empolgante, no entanto, que podemos supor que daqui a alguns anos novos autores serão comparados a ela.

Luxúria é uma obra que se propõe a retratar os Estados Unidos na contemporaneidade, focalizando seu aspecto real para além do “sonho americano”. Por muito tempo foi vendido um ideal perfeito dos EUA, mas a realidade é cruel e difícil, ainda mais para minorias e para quem precisa recomeçar a vida quase do zero, assim como a protagonista do livro, uma mulher negra em situação de precariedade financeira. O romance denuncia as consequências do capitalismo desenfreado a partir das experiências de Edie. 

A obra foi lançada em 2020. No mesmo ano o movimento Black Lives Matter tomou proporções ainda maiores no contexto dos protestos contra o policial branco que assassinou covardemente George Floyd. Em Luxúria, há duas pessoas negras que são violentamente abordadas por uma viatura policial perto de casa. O bairro onde elas moravam era frequentado por pessoas majoritariamente brancas e de classe alta. Com a construção dessa cena, Leilani mostra a dura realidade que pessoas negras enfrentam diariamente nos EUA. Embora os casos de racismo sejam noticiados, há uma lacuna entre os relatos e a efetiva ação por parte das autoridades responsáveis.

Leilani também aborda o racismo estrutural a partir das dinâmicas da editora onde a protagonista trabalha. A empresa tem uma política de diversidade destinada a contratar pessoas negras, mas na realidade a pauta parece ser tratada como mero protocolo na instituição. Apenas duas pessoas foram contratadas pelo programa, Edie e Aria. O mero fato de existir um programa de diversidade em uma empresa já sugere o contexto desfavorável para membros de minorias. 

A editora é um ambiente tóxico que parece cultivar a rivalidade feminina. Edie percebe que a empresa é composta de funcionários em sua maioria brancos. Além disso, Aria se vê numa disputa com Edie para ser promovida. Tanto Aria quanto Edie tentam sobreviver no sistema capitalista no qual estão inseridas. Segundo o sistema, o funcionário precisa mostrar que está trabalhando para além do necessário para comprovar eficiência. Pessoas negras trabalham o dobro para receber o mínimo de reconhecimento.

Edie é constantemente repreendida por ser da “geração do agora”, em que tudo precisa ser na hora que ela quer. É nítida a crítica da autora a discursos fáceis a respeito de choques geracionais. Numa discussão, Edie ouve a seguinte reclamação: 

Meu amor, esse é o problema da sua geração. Satisfação instantânea (…). Vocês acham que merecem ganhar o que querem, quando querem, e não é assim que a vida funciona. (…) é por isso que você não é tão boa quanto poderia ser.

A fala do personagem vem de um lugar privilegiado e desprovido de ansiedades materiais.. Edie, por sua vez, sente a pressão do agora em suas tentativas de sobreviver em um mundo capitalista. Edie é moradora de Nova York, uma das cidades mais caras do mundo. Antes de ser demitida, ela morava em um espaço quase insalubre. Para alugar o espaço, ela precisou dividir o apartamento com uma colega que pouco conhecia, mas que pagava sua parte do aluguel. Edie mostra que frequentemente ratos passavam pelos cômodos. 

Após ser demitida, a protagonista passa a morar temporariamente com o casal Eric e Rebecca. Os dois são brancos. A casa é totalmente oposta ao local onde ela morava anteriormente. Enquanto ela é hospedada na casa, Edie atravessa diversas microagressões geradas (in)diretamente pela enorme diferença de classe social em relação a Eric e Rebecca. 

É quase impossível não se colocar no lugar de Edie e sentir o misto de repulsa e esgotamento mental pelos acontecimentos de sua vida. O romance expõe até onde uma pessoa pode chegar pela falta do dinheiro, sugerindo o quanto a estrutura afeta o indivíduo. Luxúria é um livro para quem quer sair da zona de conforto. É um desconforto necessário. 

Publicado por

Graduando em Letras: Inglês/Literaturas na UERJ

Graduando em Letras: Inglês/Literaturas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Curador de conteúdo do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil, tendo atuado anteriormente como bolsista entre o período de 2022-2024, sob orientação da Profa. Dra. Marcela Santos Brigida. Oferece aulas de monitoria de Cultura Inglesa no Instituto de Letras da UERJ, sob orientação da Profa. Patricia Marouvo. Co-organizou o livro Dickens in Brazil: A Tale of Two Cities in Students Voices (Kellynch Press, 2024). Pesquisador da obra da escritora estadunidense Raven Leilani e tem interesse no romance contemporâneo em língua inglesa.

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