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Resenha: Este não é o seu lar (2021), de Natasha BrownLeitura em 6 minutos

Natasha Brown

O romance de estreia da inglesa Natasha Brown é um relato particular de uma personagem não nomeada mas que não deixa de ecoar com a experiência diária de diversas pessoas racializadas no contexto inglês do século XXI. Este não é o seu lar foi publicado em 2021 e é aclamado por autores renomados como Bernardine Evaristo, que descreve a estreia como “requintado, ousado e totalmente cativante”. Já Ali Smith aponta o quão fino o livro é –  com pouco mais de cem páginas -, embora do mesmo modo reconheça o enorme impacto na maneira como a autora apresenta a história. 

Este não é o seu lar apresenta a vida de uma mulher negra, moradora de Londres, que acaba de ser promovida no seu emprego. Ela trabalha no mercado financeiro. Consciente das complicações que muitos passam em grandes empresas por conta da identidade racial, a autora cria uma protagonista que passa por diversos assédios e tem a sua inteligência ora questionada pelos colegas de departamento ou usada para fins problemáticos de representação de diversidade racial.

A personagem precisa lidar com comentários negativos no trabalho, mesmo quando eles vêm de funcionários abaixo da sua posição. As considerações de Evaristo e Smith são justificadas em momentos como esse, porque a protagonista não só responde os assédios recebidos, como replica à altura, garantindo que os assediadores se calem e deem um sorriso amarelo. A prosa da autora é afiada e muito bem desenvolvida. Para ilustrar o exemplo, além de convencer você a ler o romance, confira o pequeno trecho ainda das primeiras páginas abaixo:

Um dos mais velhos, gordo e com uma barba grisalha em volta dos lábios finos e rosados, pousou o garfo para falar com franqueza. Começou devagar: sabe que ela não é do tipo que se aproveitaria. Ele sabe disso, sabe mesmo. Nesse ponto, fez uma pausa para dar um efeito e saborear a euforia de dizer à garota como as coisas funcionavam. Mas… mas agora, ela havia de convir que tinha uma vantagem sobre ele e os outros ali na mesa. Ela podia admitir isso, não podia? (Brown, 2021, p. 8)

Assim como desenvolvido na estreia de Raven Leilani em Luxúria (2021) com a protagonista Edie, Brown levanta questões emergentes como o conceito de tokenismo. A Waterstones recomenda a leitura do romance de Brown se já leu e gostou de Luxúria, provavelmente por ambas autoras construírem protagonistas que passam por questões parecidas, mas em proporções diferentes. A personagem de Este não é o seu lar é usada como símbolo de representação em palestras de escolas, universidades, eventos de mulheres e feiras de emprego para falar sobre a experiência de ser uma mulher que trabalha em um ambiente que se diz promover diversidade.

A crítica da romancista é clara e dialoga principalmente com o momento histórico em que estamos passando, onde tudo o que é socialmente considerado “minoria” é capaz de ser usado para fins de uma falsa representação, seja pela raça, gênero, classe ou sexualidade. Muitas empresas não querem deixar de contratar pessoas não brancas, por exemplo, pois é considerado “fora de moda”, além de “politicamente incorreto”. Mas ao invés de garantir dignidade para essas pessoas e uma boa socialização, além de direitos básicos, os grandes chefes da empresa onde a protagonista trabalha não têm o mínimo de interesse em mudar o cenário problemático e ultrapassado que convivem. Ao contrário, usam pessoas como a protagonista do livro para ecoar as ideias desonestas sobre representatividade, iludindo pessoas de fora e criando mais humilhação e constrangimento para quem é usado como token.

Além de no livro ressurgir o conceito de tokenismo, Brown apresenta uma protagonista que passa pelo fenômeno de assimilação. Assim como abordado por Bernardine Evaristo em Girl, Woman, Other (2019) com Carole Williams, a protagonista da obra de Natasha Brown tenta corresponder aos padrões de ser uma mulher negra que recentemente se tornou bem-sucedida na sua profissão. Dessa forma, o seu cabelo, a roupa que veste e a forma como se expressa são constantemente atravessados pelo o que é esperado dela enquanto pessoa fora dos modelos convencionais no ambiente de trabalho.

Ainda que tenha conquistado uma boa posição no trabalho, o sentimento de não pertencimento é fortemente sentido pela personagem. O livro traz questões essenciais sobre o que é ser uma pessoa britânica em um mundo contemporâneo. Pela narrativa do romance, a personagem sugere que faz parte de uma segunda geração de pais que migraram para a Grã-Bretanha. Ao mesmo tempo que ela tem a sua nacionalidade questionada, a protagonista não deixa de se afirmar como uma pessoa britânica. Embora incomode pessoas conversadoras e racistas, Brown traduz de forma direta e simples que a sua protagonista é tão britânica como os seus colegas de trabalho brancos, reafirmando que a Inglaterra é o seu lar, ao contrário da tradução do título do livro em português. Confira abaixo o relato que ela faz sobre o assunto:

O negócio é o seguinte. Eu estou aqui há cinco anos. Minha esposa há sete, oito. Nós trabalhamos, pagamos os nossos impostos. Torcemos pra Inglaterra na Copa do Mundo! Então quando o governo disse pra gente se registrar, pra gente baixar esse aplicativo e pagar pra se registrar, doeu. Aqui é a nossa casa. Isso fez a gente se sentir indesejável. É como se eles dissessem pra você: volta pra África. Imagina se eles dissessem pra você: não, não, você não é inglesa de verdade, volta pra África. É a mesma coisa. (Brown, 2021, p. 11)

Natasha Brown traz uma linguagem visceral e é objetiva no que tem para dizer. A autora retrata temas que as romancistas vêm debatendo como Raven Leilani e Bernardine Evaristo (citando apenas alguns exemplos mais contemporâneos) mas a sua história não deixa de ser sagaz, merecendo atenção própria. Além disso, Brown escreveu um livro curto, como a autora de Como ser as duas coisas relembrou, quase remetendo, portanto, a uma novela.

Brown colecionou diversos comentários positivos pela crítica especializada, além de ter sido coroada como uma das melhores jovens romancistas da Grã-Bretanha de 2023 pela Granta. Os méritos correspondem ao livro engenhoso que a autora escreveu. Este não é o seu lar é um livro que atualiza o que é ser uma pessoa britânica para além do historicamente concebido como homogêneo, além de denunciar os assédios raciais vivenciados em ambientes de trabalho.

O romance foi traduzido para o português brasileiro por Fernanda Cosenza e saiu pela editora Tordesilhas no mesmo ano de lançamento na Grã-Bretanha. O segundo romance da autora já foi confirmado e se chamará Universality. Está previsto para ser lançado em março de 2025 e ainda não tem previsão de tradução para os leitores brasileiros. Enquanto isso, confira Este não é o seu lar e expanda o seu repertório literário conhecendo Natasha Brown!

Publicado por

Graduando em Letras: Inglês/Literaturas na UERJ

Graduando do curso de Letras: Inglês/Literaturas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Curador de conteúdo do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil, tendo atuado anteriormente como bolsista entre o período de 2022-2024, sob orientação da Profa. Dra. Marcela Santos Brigida. Monitor da disciplina Cultura Inglesa II no Instituto de Letras da UERJ, cobrindo o contexto histórico e literário britânico dos séculos XVIII-XXI, sob orientação da Profa. Patricia Marouvo. Pesquisador da obra da escritora estadunidense Raven Leilani, desde que se aventurou na leitura do seu romance de estreia Luxúria (2020) para o Clube do Livro Fernanda Carvalho em agosto de 2022. Tem interesse no romance contemporâneo em língua inglesa.

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