O muito esperado livro do especialista em tecnologia, empresário e filantropo Bill Gates – Como evitar um desastre climático – foi publicado em fevereiro e chega ao Brasil pela Companhia das Letras, em tradução de Cássio Arantes Leite. Embora Gates declare já na introdução que sua “mentalidade é mais de engenheiro, e não de cientista político” e que ele não tem “uma solução para as questões ideológicas em torno das mudanças climáticas”, o livro se torna manifestamente político em um contexto em que o discurso científico em torno das mudanças climáticas, assim como as medidas necessárias para contê-las, são altamente contestados por alguns atores e correntes no cenário político em todo o mundo. Isso é algo que Gates reconhece ao longo do livro. Cada proposta ou medida para conter as emissões de carbono em pequena, média ou larga escala que envolva interesses financeiros ou políticos certamente enfrentarão resistência. Gates antecipa os empecilhos e a carga de cada proposta e sugere caminhos ou alternativas.
Ao longo do livro, Gates introduz o leitor ao vocabulário das mudanças climáticas: prêmios verdes, combustível de carbono zero, pegada de carbono, emissões zero, tecnologia verde. Ele também ressalta que embora tenha havido uma queda em emissões ao longo de 2020 por conta da pandemia, a soma total dessa redução não deve ter chegado a 5%. Nesse sentido, “o extraordinário, a meu ver, não é como as emissões diminuíram devido à pandemia, mas como a queda foi pequena”. Gates conclui que serão necessárias medidas muito mais radicais do que simplesmente andarmos menos de carro e de avião para chegarmos a emissões zero:
“Assim como foram necessários novos testes, tratamentos e vacinas para o novo coronavírus, precisamos de novas ferramentas para combater as mudanças climáticas: maneiras carbono zero de produzir eletricidade, fabricar coisas, cultivar alimentos, refrigerar e aquecer nossos edifícios e transportar pessoas e produtos pelo mundo”.
O autor reconhece ao longo do livro as profundas desigualdades de condições entre países ricos, emergentes e pobres, expondo-as em números. Tais disparidades variam desde o custo da energia elétrica, que é muito mais barata em nações desenvolvidas como os E.U.A., até as emissões geradas pelos excrementos do gado. Raças diferentes são criadas em cada continente e as variedades africana e sul-americana ocasionam mais emissões. Usando uma linguagem acessível, Gates introduz o leitor a uma série de tecnologias em desenvolvimento que podem ser nossas aliadas no futuro. Ainda assim, fica patente a complexidade do problema e o fato de que não haverá somente uma saída, mas sim uma combinação de medidas de conscientização, ativismo, políticas públicas, pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
Há momentos no livro em que as estatísticas e projeções que Gates esboça de forma muito racional podem trazer ansiedade ao leitor. As consequências para a inércia incluem danos irreversíveis e muito dolorosos para a humanidade e, como sabemos, há diversos líderes mundiais e correntes políticas plenamente dispostos a negar que as mudanças climáticas sequer estejam ocorrendo. No entanto, Gates também é otimista e aposta na colaboração. Seu incentivo ao desenvolvimento científico é inspirador e a maneira como detalha os incentivos públicos à pesquisa nos Estados Unidos é um exemplo. Esse tipo de divulgação científica tem sido crucial ao longo da pandemia e seguirá sendo elementar após superarmos essa crise.
Concluí a leitura de Como evitar um desastre climático muito mais consciente dos processos que precisam mudar para chegarmos a um ponto – que hoje ainda pode parecer utópico – de emissões zero e esperançosa pelo legado que deixaremos às próximas gerações.
Agradeço à Companhia das Letras por ter disponibilizado o e-book de Como evitar um desastre climático: As soluções que temos e as inovações necessárias e recomendo também a leitura da resenha de Gordon Brown para o livro, que destrincha as implicações políticas da discussão que Gates estabelece.
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Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.