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Obituário: David Bevington, um dos maiores shakespearianos de nosso tempo

Prof. David Bevington, 1931-2019

A Universidade de Chicago publicou nesta segunda-feira (5) um obituário relembrando o legado do Prof. Emérito David Bevington, um dos maiores shakespearianos da contemporaneidade. O acadêmico faleceu na sexta-feira, dia 2. Traduzimos a seguir o texto publicado pela Universidade. O original pode ser lido clicando aqui.

Docente de longa data da Universidade de Chicago e lembrado como uma pessoa ‘instintivamente generosa’, o Prof. Emérito David Bevington, o extraordinariamente prolífico editor do cânone completo de Shakespeare e autor de livros seminais sobre dramaturgos do Renascimento inglês, faleceu em sua casa em Chicago no dia 2 de agosto. Ele tinha 88 anos de idade.

Lembrado por amigos e familiares como um homem vibrante, generoso e intelectualmente inquisitivo, o professor de longa data da Universidade de Chicago possuía um entusiasmo contagiante pelas obras que ensinava. Ele viveu a vida com energia ilimitada: ensinando, escrevendo, atuando como anfitrião de eventos sociais e tocando música de câmara com amigos até pouco tempo antes de sua morte.

Como acadêmico, Bevington ajudou a estabelecer o Departamento de Língua e Literatura Inglesa da UChicago como um centro nacional de estudo a nível de pós-graduação sobre o Renascimento Inglês.

“David era um grande editor das peças de Shakespeare, tanto para acadêmicos quanto para públicos mais gerais”, disse o Professor Emérito Richard Strier. “Ele tinha uma paciência infinita e destrinchava os detalhes da linguagem e da pontuação, escrevendo notas cuidadosas para esclarecer textos complicados para os leitores.”

O Prof. Joshua Scodel elogiou a “combinação de erudição histórica, envolvimento com a dramaturgia da Renascença e insights profundos sobre a condição humana”. Ele citou três dos muitos livros de Bevington: From “Mankind” to Marlowe (1962), um estudo clássico do transição do drama medieval para o do Renascimento; Tudor Drama and Politics (1968), uma análise pioneira da atualidade histórica das peças Tudor; e Action Is Eloquence (1984), um estudo amplo do gesto e dos aspectos visuais do drama shakespeariano.

“David preencheu a lacuna entre a análise historicista de Shakespeare e a apreciação crítica de sua relevância permanente para o público contemporâneo”, disse Scodel.

Bevington também ajudou a editar The Cambridge Edition of The Works of Ben Jonson, colaborando com o enorme empreendimento com Martin Butler (Universidade de Leeds) e Ian Donaldson (Universidade de Melbourne). Reunindo a obra completa do dramaturgo inglês, os volumes foram impressos em 2012 e também foram disponibilizados em formato digital, algo incomum na época para um corpo literário tão extenso.

Bevington causou impacto também como medievalista – publicando Medieval Drama, uma coleção singular de textos dramáticos medievais, em 1975. Ele preparou uma segunda edição, publicada em 2012.

Bevington defendeu o valor do ensino em todos os níveis da educação superior. Vencedor do Quantrell Award for Excellence in Undergraduate Teaching em 1979, ele também ministrou aulas de educação continuada na Graham School da Universidade de Chicago até 2018.

Um dos primeiros alunos de pós-graduação de Bevington na UChicago foi David Kastan, agora professor de Língua Inglesa em Yale. Quando Kastan, PhD’75, estava prestes a desistir de seu programa de doutorado e se inscrever na faculdade de Direito, foi Bevington que o convenceu a ficar.

“Fazer o curso e conhecer o David mudou a minha vida para sempre”, disse Kastan. “Eu nunca conheci alguém tão instintivamente generoso.”

“David deu à minha geração e às gerações subsequentes de alunos confiança para contribuir com uma conversa de 400 anos sobre Shakespeare e outros dramaturgos renascentistas ingleses. Ele nos deu o incentivo plausível para acreditar que o que fazíamos importava e nos dava uma sensação maravilhosa de que estávamos juntos nisso”.

Bevington nasceu em Nova York em 1931. Aos 11 e 9 anos, respectivamente, ele e o irmão mais novo Philip se mudaram para Durham, na Carolina do Norte, onde seu pai Merle Bevington se tornou professor de Estudos Vitorianos na Duke University. Sua mãe, Helen Smith Bevington, PhB’26, também se juntou ao departamento de English da Duke, e foi uma escritora de light verse que mais tarde escreveu o aclamado livro de memórias Charley Smith’s Girl.

David Bevington formou-se pela Phillips Exeter Academy em 1948. Ele então estudou em Harvard, se especializando em História e Literatura e se matriculando no programa Navy ROTC. Ele obteve seu diploma de graduação em 1952 e serviu três anos como oficial subalterno em um destroier. O fato de Bevington ter conseguido financiar sua educação por meio de seu serviço fez com que ele se sentisse em dívida com a sociedade como um todo – um privilégio que ele sempre teve a consciência de retribuir.

Bevington retornou a Harvard após seu serviço naval, obtendo um PhD em 1957 e lecionando de 1959 a 1961. Em seguida, ele lecionou por seis anos na Universidade da Virginia, onde colaborou frequentemente com o bibliógrafo Fredson Bowers, que liderou o departamento de English da UVA e também atuou como professor visitante da UChicago. Bevington foi promovido de assistant professor para associate professor em 1964 e para professor1 em 1966.

Ele aceitou uma posição de professor visitante na UChicago em 1967, que se transformou em uma nomeação para professor em período integral no ano seguinte. Em 1985, Bevington foi nomeado Phyllis Fay Horton Distinguished Service Professor in the Humanities.

“Nós amamos a Virginia, mas Chicago tinha um nome tão reverenciado”, disse ele em uma entrevista em 2016. “Sentimo-nos muito em casa desde o início. Era uma comunidade intelectual unida. Por que sair da Universidade de Chicago quando você poderia ficar aqui? A questão meio que se responde por conta própria, na verdade, por que você iria querer ficar.”

Além de seu trabalho como acadêmico de literatura inglesa – que lhe rendeu Guggenheim Fellowships em 1964 e 1981 -, Bevington ajudou a UChicago a estabelecer Theatre and Performance Studies como uma major na graduação. Ele também liderou frequentes discussões pós-performance no Court Theatre.

David deixa Peggy, sua esposa há 66 anos; seus filhos Stephen, Kate e Sarah; e seus cinco netos, Sylvia, Zeke, Peter, Leo e Maggie. Ele foi precedido na morte por seu filho Philip, que faleceu em 1977, e seu irmão Philip, um físico que faleceu em 1979.

Publicado por

Marcela Santos Brigida
Professora na UERJ | Website

Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.

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