Harold Bloom, crítico literário que defendeu o conceito do cânone ocidental em uma série de livros que ganharam destaque não apenas no universo acadêmico, mas também nas listas de best-sellers, morreu nesta segunda-feira em um hospital em New Haven. Ele tinha 89 anos. O falecimento foi confirmado por sua esposa, Jeanne Bloom, que disse que ele deu sua última aula na Universidade de Yale na quinta-feira.
O Prof. Bloom era frequentemente considerado o crítico literário mais notório dos Estados Unidos. A carreira do acadêmico foi marcada pela defesa da superioridade literária de gigantes ocidentais como Shakespeare, Chaucer e Kafka sobre escritores favorecidos pelo que ele chamou de a “Escola do Ressentimento”, se referindo a multiculturalistas, feministas, marxistas, neoconservadores e outros que ele via como traidores do propósito essencial da literatura. Os posicionamentos polêmicos de Bloom resultaram em uma série de críticas ao seu trabalho por parte de colegas e outros pesquisadores ao longo das décadas.
“Shakespeare é Deus”, declarou, afirmando que os personagens do Bardo são reais como pessoas e moldaram as percepções ocidentais sobre o que significa ser humano – uma visão que ele propôs no aclamado Shakespeare: a invenção do humano (1998). Entre seus outros best-sellers estão sua magnum opus, O Cânone Ocidental (1994) e Como e por que ler (2000).
O considerável sucesso comercial de Bloom levou muitos na academia a considerá-lo um populista: “Mencione o nome de Harold Bloom aos acadêmicos dos departamentos de literatura hoje em dia e eles revirarão os olhos”, escreveu o pesquisador e escritor britânico Jonathan Bate na The New Republic em 2011.
Bloom gostava de ser comparado a Samuel Johnson, o grande crítico, ensaísta, e lexicógrafo britânico do século XVIII, que, como o Prof. Bloom era “rotundo, erudito e frequentemente ácido em suas opiniões”, segundo artigo do The New York Times.
Assim como Johnson, sua produção é vasta: Bloom escreveu mais de 40 livros e editou centenas. Ele se manteve prolífico até o fim de sua vida, publicando dois livros em 2017, dois em 2018 e dois este ano: Macbeth: A Dagger of the Mind e Possessed by Memory: The Inward Light of Criticism. A data da publicação de seu último livro ainda não foi especificada pela Yale University Press, disse sua esposa ao The New York Times.
Harold Bloom nasceu em 11 de julho de 1930, no East Bronx, em uma família judia ortodoxa. Ele era o caçula de cinco filhos de William e Paula (Lev) Bloom, imigrantes de classe trabalhadora da Europa Oriental. Seu pai trabalhava na indústria têxtil.
O primeiro livro que Bloom leu foi uma antologia da poesia iídiche. Ele logo descobriu a filial da Biblioteca Pública de Nova York em Melrose, no Bronx, e entrou em contato com a obra de autores como Hart Crane, W.H. Auden e T.S. Eliot. Ele se formou na exclusiva Bronx High School of Science – “aquele lugar horrível”, como ele a descreveria – e ganhou uma bolsa de estudos para Cornell. Lá, impressionou seus professores.
Quando se formou em Cornell, em 1951, seus professores pediram que ele cursasse a pós-graduação em outra universidade: “Não podíamos ensinar mais nada a ele”, disse M.H. Abrams, o eminente crítico e estudioso do romantismo que foi orientador do Prof. Bloom.
Bloom foi aceito em Yale – reduto da Nova Crítica – na década de 1950. Lá, se opôs ao ethos predominante, particularmente em A angústia da influência (1973), postulando que a grande literatura é um ato de rebelião contra os escritores que vieram antes. Embora tenha se alinhado brevemente aos desconstrucionistas de Yale, Paul De Man, J. Hillis Miller, Jacques Derrida e Geoffrey Hartman, Bloom rompeu com o Departamento de Inglês de Yale de forma definitiva em 1977. Ele foi nomeado De Vane professor of humanities e, mais tarde, Sterling professor of the humanities, o mais elevado posto acadêmico de Yale, tornando-se um departamento em si mesmo.
Na ocasião de sua morte, Bloom residia na mesma casa em New Haven, que ele e sua esposa, uma psicóloga aposentada do sistema escolar de Branford, Connecticut, haviam ocupado por mais de 50 anos e preenchido com milhares de livros, pinturas e esculturas. Ele se casou com Jeanne Gould em 1958.
Além de sua esposa, o professor Bloom deixa dois filhos, Daniel e David.
Leia mais sobre o legado do acadêmico no obituário do The New York Times.
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Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.
Otimas referências ao grande Bloom.