Com informações do The Guardian
Os jurados do Booker Prize deste ano “violaram” explicitamente as regras da premiação literária ao escolher as primeiras vencedoras conjuntas em quase 30 anos: Margaret Atwood e Bernardine Evaristo.
O presidente da comissão, Peter Florence, se pronunciou após mais de cinco horas com os outros jurados, revelando que o grupo não tinha conseguido escolher um único vencedor entre os seis finalistas. Em vez disso, apesar de ter sido repetidamente informado pela diretora literária da premiação, Gaby Wood, que eles não tinham permissão para dividir o prêmio de £50.000, foram escolhidos dois romances: The Testaments de Atwood, a continuação de seu romance distópico The Handmaid’s Tale e Girl, Woman, Other de Evaristo, obra narrada nas vozes de 12 personagens diferentes, a maioria delas mulheres negras.
A vitória de Evaristo faz dela a primeira mulher negra a ganhar o Booker Prize desde que a premiação começou em 1969 e a primeira escritora negra britânica. Aos 79 anos, Atwood se torna a vencedora mais idosa do prêmio. A autora canadense já havia ganhado o Booker em 2000 por The Blind Assassin; ela se tornou a quarta autora a ganhar o prêmio duas vezes.
Atwood disse após a cerimônia no Guildhall, em Londres: “Teria sido bastante embaraçoso para uma pessoa da minha idade e estágio vencer a coisa toda e, assim, impedir uma pessoa em um estágio inicial de sua carreira de atravessar essa porta. Eu realmente teria ficado envergonhada, pode ter certeza.”
“Eu não sou o júri. Estive em um júri que dividiu o prêmio e entendo a situação. Eu entendo… eles deveriam ter dividido entre os 13 indicados, mas infelizmente não é assim que as coisas funcionam.”
Evaristo disse: “Estou muito feliz por ter ganho o prêmio. Sim, estou compartilhando com uma escritora incrível. Mas não estou pensando no fato de compartilhá-lo, estou pensando no fato de que estou aqui e isso é uma coisa incrível, considerando o que o prêmio significou para mim e para a minha vida literária, e o fato de que isso pareceu tão inatingível por décadas.”
Em uma entrevista coletiva, Evaristo foi questionada se ela teria preferido ganhar as 50 mil libras sozinha. Ela disse: “O que você acha? Sim, mas estou feliz em compartilhar. Esse é o tipo de pessoa que eu sou.”
“Tentamos votar, mas não deu certo”, disse Florence. “É uma metáfora para os nossos tempos”.
Após mais de três horas de discussão, o júri perguntou a Wood se poderiam dividir o prêmio. Foi dito a eles que não. Eles voltaram às discussões por mais uma hora, para chegar à mesma decisão unânime. Wood conversou com a chefe dos curadores, Helena Kennedy, que também insistia em manter as regras. O júri voltou pela terceira vez, anunciando com o que Florence disse ser “consenso absoluto”, que eles haviam decidido ignorar as regras.
“Passamos uma boa hora e meia tentando resolver o problema para satisfazer os jurados, e a decisão final tomada foi um momento de alegria para todos nós”, disse Florence. “Estávamos tentando respeitar as regras que nos foram dadas. Como você resolve de maneira justa algo que parece insolúvel? Você encontra uma maneira de mudar o jogo.”
Questionada se apoiou a decisão, Wood disse: “É uma violação explícita das regras e todos eles entenderam isso. Foi um gesto rebelde, mas foi… generoso.”
Ela deixou claro que as regras não serão alteradas no futuro – e que o júri deste ano não foi o primeiro a pedir para dividir o prêmio.
Florence disse: “Espero que ambas as autoras vencedoras entendam isso como uma demonstração de respeito aos dois livros”.
O presidente da comissão, que se juntou ao painel de jurados composto por Liz Calder, Xiaolu Guo, Afua Hirsch e Joanna MacGregor, disse que The Testaments e Girl, Woman, Other são “romances totalmente engajados, ambos são linguisticamente inventivos, são corajosos de todas as maneiras. Eles se voltam para o mundo de hoje e nos dão ideias e criam personagens que ressoam conosco e que ressoarão conosco por séculos”.
O romance de Evaristo, disse ele, foi “inovador”, com “algo absolutamente magnífico no elenco de personagens”; a romancista decidiu escrever em uma série polifônica de vozes como uma “estratégia contra a invisibilidade”, porque “nós, mulheres negras britânicas, sabemos que se não nos escrevermos na literatura, ninguém mais o fará”. O romance de Atwood, por sua vez, é “mais politicamente urgente do que nunca”.
“Estes são grandes livros ambiciosos”, disse Florence. “Um dos aprendizados que tive é que toda a delicadeza literária, a elegância da linguagem, o brilho da estrutura, tudo isso atua para demonstrar se o autor tem ou não algo realmente valioso a dizer. Esses livros têm algo urgente a dizer e também são thrillers que não nos deixam parar de ansiar pela próxima página, e eu acho que eles podem falar ao público mais literário, bem como aos leitores que leem apenas um livro ou, neste caso, dois livros, por ano.”
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Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.
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