Em 2019, James Joyce vem surgindo como uma espécie de unanimidade entre políticos democratas estadunidenses, como já comentamos por aqui. Em 2016, o parlamentar britânico Jeremy Corbyn já havia apontado o romance como o seu favorito. Na semana passada, o The Guardian o entrevistou sobre seu interesse pelo autor irlandês. Traduzimos a seguir alguns trechos da entrevista e recomendamos a leitura do artigo original.
“Quando falei com Corbyn às vésperas do Bloomsday deste ano – 16 de junho – ele relembrou que leu Ulisses pela primeira vez no início dos anos 80 enquanto viajava de trem pela Europa e pelo norte da África. ‘Um grande amigo irlandês me contou 15 anos antes daquela viagem que eu tinha que ler Ulisses. Foi a companhia perfeita na jornada de trem, que foi interminável.’” diz Peter Carty em sua reportagem.
Na entrevista, Corbyn explicou que, assim como muitas pessoas, ele considerou o livro “incompreensível” no início. Assim, o político desenvolveu uma estratégia alternativa para a leitura: “você para de tentar se concentrar na narrativa e começa a simplesmente apreciar as vinhetas”. Desde então, Corbyn conta que lê a obra mergulhando em passagens. É uma abordagem que ele recomenda aos leitores de primeira viagem: “Leia um pouco de cada vez e pense sobre aquilo e siga em frente, mas não se sinta mal se não entender.”
Corbyn contou que o que o atrai na obra não é exclusivamente a habilidade literária do autor, mas também o aspecto político em torno da sua criação e recepção. Quanto a fato de o livro ter sido banido por seu conteúdo sexual, Corbyn observou: “Tenho certeza de que membros das classes altas escreviam uns para os outros em privado sobre esses assuntos. Você quase sente pena dos censores que tiveram que ler e tentar entender o livro até encontrar algo que considerassem ofensivo.”
Ulisses é ambientado durante o ano em que Joyce deixou Dublin, e Corbyn acredita que estar longe de casa afiou sua visão: “O espelho do exílio pode ser muito poderoso e muito intenso. Quando você está em exílio, você se lembra com detalhes quase fotográficos do que passou.”
Em sua carreira política, Corbyn teve uma longa associação com a grande comunidade irlandesa em seu círculo eleitoral de Islington. Ele se lembra de ter encontrado irlandeses mais velhos que vieram para Londres como construtores. Eles conversaram sobre as aldeias de onde vieram e para onde pretendiam voltar. “E eles nunca voltaram. Eles ficavam dizendo: “Quando eu for para casa. Nós dois sabíamos muito bem que eles nunca iam voltar para casa”.
O amor de Corbyn pelo romance faz parte de seu interesse mais amplo pela literatura e história irlandesa. Em seus tempos de escola, ele foi influenciado pelo relato clássico de Cecil Woodham-Smith sobre a fome, The Great Hunger. Mais tarde, ele leu Strumpet City de James Plunkett, que gira em torno do bloqueio de Dublin de 1913-14 e da terrível pobreza daquele tempo.
Depois de Ulisses, Corbyn diz que Things Fall Apart (O mundo se despedaça, no Brasil), de Chinua Achebe, é o livro que ele relê com mais frequência. The Famished Road, de Ben Okri, é outro favorito. Mas, às vésperas do Bloomsday, ele pediu que mais pessoas leiam o romance de Joyce que, entre muitas outras coisas, capta uma sociedade lidando com seu dia-a-dia em tempos difíceis.
“Joyce referencia e descreve com riqueza de detalhes o que está acontecendo na rua”, diz ele. “Então alguém está falando sobre um grande problema político e depois o carro do lixo passa. Sempre que há uma grande questão política, ando pelas ruas da minha região. Nós podemos estar totalmente obcecados pelo Brexit ou algum outro problema, mas muitas pessoas não estão. Suas vidas diárias são mais importantes. Os políticos nunca devem esquecer que as pessoas têm vidas para levar e muitas vezes têm sonhos sobre os quais não falam.”