Foster, conto publicado em 2010 pela autora irlandesa Claire Keegan, retrata a história de uma garotinha que é levada pelo seu pai, durante as férias da escola, para a fazenda distante de uma família que fica responsável pelos seus cuidados. Acompanha-se, então, a sua experiência de estar em um ambiente novo na parte rural da Irlanda, com pessoas que não conhecia tão bem e sem saber ao certo de quando voltaria para a sua casa, já que a sua mãe também estava perto de conceber mais um de seus irmãos. De pouco em pouco, pode-se entender melhor o que aquela mudança de cenário significa para a cabeça de uma criança, tão incerta em relação a muitas coisas. O novo lugar, com pessoas que ela não conhecia, traz um forte receio frente ao desconhecido:
Part of me wants my father to leave me here while another part of me wants him to take me back, to what I know. I am in a spot where I can neither be what I always am nor turn into what I could be.
Para além da ambientação física do conto, tem-se, desde os primeiros momentos, uma imersão no psicológico da criança, que permite entender o que todas as diferenças entre as essas duas experiências de vida e família implicam no entendimento de si mesma e dos seus arredores. Mesmo com toda a brevidade da história, Keegan se mostra talentosa na criação de um ambiente acolhedor tanto para a garotinha quanto para o leitor conforme a sua adaptação na casa dos Kinsellas, que a tratam muito afetuosamente. O desenvolvimento de sua relação com os seus tutores provisórios é visto através da sua perspectiva pueril, e tem-se acesso aos seus pensamentos, comparações e ações, à princípio, cheias de receio. Para além de mostrar um interior frágil e negligenciado que demora a deixar-se acostumar às ternuras, esse fator da construção da narrativa também permite um conhecimento maior sobre o funcionamento de sua família consanguínea.
A inocência da protagonista possibilita relances profundos sobre o tratamento que recebe em cada um desses lugares e sobre as próprias condições de vida das famílias. Apesar de diferentes em seus funcionamentos, os dois núcleos têm questões interiores e socioeconômicas que impactam e limitam a forma como a presença daquela criança é recebida e remediada. Extremamente significativas de suas próprias maneiras, essas realidades também são contrapostas às formas que a comunidade externa às famílias lidam com a presença da nova criança, o que permite um aprofundamento interessante sobre o olhar do povo para o infantil. A saída da residência dos Kinsellas também explicita a existência de um mistério sobre essas pessoas tão amáveis, de forma mais sólida do que as pistas dadas no início da história.
A não-nomeação da amável garotinha parece fazer com que a sua figura seja representativa de sua própria parcela social, de modo a abordar como muitas crianças tendem a ser deixadas de lado ou desconsideradas. Ao mesmo tempo que o texto traz a beleza do cuidado e proteção, ele também mostra que essa necessidade só foi plenamente entendida e sentida no momento em que ela foi ofertada para aquela criança. Foster é um ótimo exemplo da importância de uma comunidade que se importa com o bem-estar de crianças em seu processo de amadurecimento e desenvolvimento enquanto pessoas, também mostrando a necessidade de suportes e aparatos para que este bem-estar seja garantido.
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É graduanda em Letras - Inglês e literaturas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bolsista do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil, sob orientação da Profa. Dra. Marcela Santos Brigida.