Dando continuidade à nossa série comemorativa do bicentenário de George Eliot, nesta semana abordamos o Segundo Livro de Middlemarch, “Old and Young”. Você pode ler o primeiro post clicando aqui.
Introdução
O grande tema do segundo dos oito livros que compõem Middlemarch é anunciado pelo seu título: “Old and Young”. Neste segundo volume, Eliot desenvolve algumas das questões introduzidas no primeiro, aprofundando seu estudo da vida provinciana. Se já em “Miss Brooke” a autora delineia os choques entre os velhos costumes da pequena Middlemarch e as inovações trazidas por Dr. Lydgate e patrocinadas por Mr. Bulstrode, no Segundo Livro há um acirramento entre o jovem médico e seus colegas de profissão da geração anterior. Também assistimos ao choque entre a idealização que Dorothea fizera de sua união com Casaubon e a dinâmica real do casamento. Mesmo durante o período de lua-de-mel, atritos começam a surgir entre o casal e o homem real se descola de sua imagem idealizada conforme Dorothea questiona, ainda que de forma incipiente, os méritos das práticas acadêmicas do marido.
Apresentando o Dr. Lydgate
Tal era o plano de Lydgate para o seu futuro: fazer pequenas boas obras para Middlemarch e uma grande obra para o mundo. (p. 96)
O primeiro livro de Middlemarch é majoritariamente dedicado a apresentar Dorothea Brooke ao leitor. Já no segundo a narradora de Eliot introduz Tertius Lydgate, contando sobre a vida do médico antes de ele chegar a Middlemarch, suas principais intenções na cidade, além de delinear traços da sua personalidade.
Conforme ele e Rosamond se aproximam, também e traçado um paralelo entre a forma como ela o vê e vice-versa. Assim, começam a ser estabelecidas as bases duvidosas sobre as quais a união futura do casal se sustentará. Desde o início, é sugerido ao leitor que os dois jovens têm visões bastante diferentes para o futuro. Na apresentação de Lydgate, Eliot retoma o tema das falsas aparências e impressões, elemento recorrente ao longo do romance:
No momento, tenho que tornar o novo colono, Lydgate, mais conhecido por qualquer um interessado nele do que poderia ser até mesmo para aqueles que o viram mais desde a sua chegada em Middlemarch. Pois certamente todos devem admitir que um homem pode ser elogiado e louvado, invejado, ridicularizado, considerado uma ferramenta e que podem se apaixonar por ele, ou pelo menos selecioná-lo como um futuro marido, e ainda assim permanecer basicamente desconhecido – conhecido meramente como um conjunto de sinais para as falsas suposições dos seus vizinhos. Havia uma impressão geral, no entanto, de que Lydgate não era um médico do interior comum e, em Middlemarch naquela época, tal impressão significava que grandes coisas seriam esperadas dele. (p. 96)
A fim de oferecer ao leitor a visão privilegiada prometida, a narradora conta um pouco sobre o passado de Lydgate em Paris, quando ele se apaixonou por uma atriz viúva. Ela o rejeita após revelar um segredo sobre a morte de seu marido que choca o jovem médico e o faz prometer não se apressar para fazer propostas de casamento no futuro.
Sobre o caráter de Lydgate, ela avalia que, ao chegar em Middlemarch, ele “estava em um ponto de partida que torna a carreira de muitos homens um ótimo tema para apostas, se houvesse algum cavalheiro dado a essa diversão que pudesse apreciar as probabilidades complicadas de um propósito árduo, com todas as possíveis barreiras e avanços das circunstâncias, todas as sutilezas de equilíbrio interno, pelas quais um homem nada e prova o seu ponto, ou é carregado pela corrente.”
A narradora prossegue em sua descrição de Lydgate como uma personalidade ainda em desenvolvimento, um comentário que não deixa de soar como uma brincadeira de George Eliot com o duplo sentido da palavra character, caráter ou personagem:
O risco permaneceria, mesmo com conhecimento profundo do caráter de Lydgate; pois o caráter também é um processo e um desdobramento. O homem ainda estava em formação, tanto como o médico de Middlemarch quanto como descobridor imortal e havia virtudes e falhas capazes de encolher ou expandir. As falhas não serão, espero, uma razão para a retirada de seu interesse por ele. (p. 96)
A narradora prossegue e delineia alguns dos defeitos de Lydgate, observando o quão comuns eles são. Ela cita um excesso de autoconfiança e desdém para com os outros, levemente influenciada por preconceitos, e comenta que “nossas vaidades diferem como nossos narizes, toda presunção não é a mesma presunção, mas varia em correspondência com as minúcias da mentalidade em que um de nós difere do outro. A presunção de Lydgate era do tipo arrogante, nunca hesitante, nunca impertinente, mas maciça em suas pretensões e benevolentemente desdenhosa” (p. 96).
A partir deste ponto, o leitor deixa de olhar para Lydgate (como ocorre no Primeiro Livro) apenas através do olhar dos outros personagens como uma mera novidade – positiva, para Rosamond, e negativa, para os cidadãos mais conservadores –, tendo acesso a nuances mais complexas das suas ambições e a um pouco da sua história. Tais dados serão importantes para o desenvolvimento da narrativa e do personagem ao longo do romance e por isso se faz tão importante esta apresentação por parte da narradora.
Lydgate e as reformas
Havia outra atração em sua profissão: ela precisava de reformas e dava a um homem a oportunidade de munir-se de uma determinação indignada de rejeitar suas decorações venais e outros embustes, e de ser o possuidor de qualificações genuínas, embora pouco requisitadas. Ele foi estudar em Paris com a determinação de que, quando voltasse para casa, se instalaria em alguma cidade provinciana como clínico geral e resistiria à separação irracional entre conhecimento médico e cirúrgico no interesse de suas próprias atividades científicas, bem como do avanço geral: ele se manteria longe do alcance das intrigas, invejas e alpinismos sociais de Londres e ganharia fama, ainda que lentamente, como Jenner havia feito, pelo valor independente de seu trabalho. Pois é preciso lembrar que este foi um período sombrio; e apesar de faculdades veneráveis que fizeram grandes esforços para assegurar a pureza do conhecimento ao torná-lo escasso, e para excluir o erro por uma exclusividade rígida em relação a taxas e nomeações, aconteceu que jovens cavalheiros muito ignorantes foram promovidos na cidade, e muitos outros obtiveram o direito legal de praticar medicina em grandes áreas do campo. (p. 93)
Em Middlemarch, George Eliot discute as muitas reformas pertinentes ao período em que escolheu situar seu romance. Em artigo publicado no site da British Library, o Prof. Dr. John Mullan (University College London) discute as reformas políticas, científicas e sociais abordadas na obra:
Reforma política
A política e a ciência parecem oferecer igualmente a perspectiva de melhoria social aos personagens de Eliot. O Catholic Relief Act de 1829 acabara de ser aprovado, removendo a proibição de longa data dos católicos romanos se tornarem membros do Parlamento em Westminster. A reforma está no ar. O povo de Middlemarch continua a debater “a questão católica”, mas há mudanças ainda maiores no horizonte (cap. 1). A política possui o tio de Dorothea, Mr. Brooke, que é candidato parlamentar em apoio ao Reform Bill introduzido pelo governo de Lord Grey, que se tornou primeiro-ministro em 1830. O que foi chamado The Representation of the People Act acabou sendo aprovado em 1832. A lei redelineou o mapa dos distritos eleitorais parlamentares para torná-los mais representativos da população da nação, eliminando os chamados “distritos podres” e “distritos de bolso”. Também ampliou a qualificação de propriedade para os eleitores, incluindo pequenos proprietários, arrendatários e lojistas. Nas cidades, ele garantia o voto a todos os chefes de família que pagassem um aluguel anual de £10 ou mais. A maioria dos trabalhadores e todas as mulheres ainda não tinham direito ao voto.
Mr. Brooke apoia a reforma parlamentar, uma causa abordada com suspeita por muitos dos cidadãos de Middlemarch. Brooke é apoiado por Will Ladislaw, um idealista muito mais inteligente, que tenta aconselhá-lo, mas se irrita com sua incompetência. Brooke está convencido de que o tempo está a seu favor – “vamos construir uma nova opinião aqui” – mas se revela um defensor fraco do progresso (cap. 46). Em um episódio memoravelmente cômico, ele sobe no palanque diante dos eleitores de Middlemarch e, apesar do treinamento de Ladislaw, faz um discurso desastroso (agravado por dois copos grandes de xerez para acalmar seus nervos). Ele se retira da sacada do White Hart, o riso e as vaias da multidão ecoando em seus ouvidos, suas esperanças políticas em ruínas. Os primeiros leitores de George Eliot viveram em uma era pós-reforma e foram convidados a pensar que a lei de 1832 estava atrasada e era modesta em suas ambições (um segundo Reform Act, em 1867, ampliou ainda mais a franquia de eleitores). No entanto, é inteiramente característico do romance que o entusiasmo pela reforma seja retratado com uma ironia cruel.
Reforma científica
O mesmo se deu com o sonho do progresso científico. Tertius Lydgate, o jovem médico recém-chegado a Middlemarch, vê-se como um representante do avanço científico. Depois de Londres e Edimburgo, estudou em Paris na década de 1820, o centro do experimento médico e da especulação. Era da França que o novo conhecimento médico parecia estar chegando. Lydgate é um aspirante a aperfeiçoador e também um homem da ciência, convencido de que a profissão médica oferecia “a mais direta aliança entre a conquista intelectual e o bem social”. “Havia outra atração nessa profissão: precisava de reformas”. Ele está impaciente com a “separação irracional entre o conhecimento médico e cirúrgico”, como outros candidatos a reformadores da época (cap. 15).
“É preciso lembrar que esse foi um período sombrio”, observa George Eliot, antes de nos dizer que a prática médica padrão “consistia principalmente em oferecer muitas drogas” e que o público “engoliu grandes medidas cúbicas de fármacos prescritos com ignorância inescrupulosa” (cap. 15). A confiança dos médicos no dinheiro que eles obteriam com a venda de drogas para seus pacientes era uma questão da época. No entanto, o tom irônico da observação de Eliot sobre um “período sombrio” adverte o leitor contra a condescendência com o passado. As atitudes modernas de Lydgate em relação à medicina podem ser endossadas pelo narrador, mas seu idealismo também é cômico. Da mesma forma, a Inglaterra provinciana em que ele chega não está tão envolta em trevas. Pois ele não é o único entusiasta do conhecimento científico: Sir James Chettam está lendo Agricultural Chemistry de Sir Humphry Davy; o vigário local, Mr. Farebrother, é um excelente entomologista. Nesta época antes de Darwin, a história natural ainda era vista como um passatempo respeitável para um cavalheiro cristão. Tal aprendizado é evidentemente superior à vasta mas vazia erudição de Mr. Casaubon.
A ciência fornece algumas das melhores metáforas da romancista para o escrutínio do comportamento humano, como se uma era de avanço científico devesse ser igualada por um novo tipo de ficção. Analisando os esforços de Mrs. Cadwallader para fazer um casamento entre Celia Brooke e Sir James Chettam, o narrador nos pede para imaginar a experiência de olhar para uma gota d’água através de um microscópio. Uma lente fraca parece mostrar pequenas criaturas nadando gentilmente na boca de uma criatura maior; uma lente mais forte revelará “certos pequenos hairlets que formam vórtices para as vítimas, enquanto o engolidor aguarda passivamente em seu posto” (cap. 6). De longe, o comportamento de Mrs. Cadwallader parece inexplicável; examinando-a mais minuciosamente, você verá que ela vive para exercer seu interesse em seus vizinhos. É típico de Eliot que, mesmo quando percebemos o significado da metáfora científica, também percebamos que a ideia de Mrs. Cadwallader como uma espécie voraz de criatura no lago é cômica.
O embate entre a tradição e a inovação é pontuado, portanto, pelo posicionamento de Eliot que, mesmo se alinhando aos reformistas, não deixa de inserir um riso irônico nas observações de sua narradora.
Em “Old and Young”, Eliot desenvolve alguns dos temas apresentados e sugeridos pelo primeiro livro, como o embate entre gerações, o caráter conservador da província e as relações sociais que a regem. Lydgate é alertado por seu amigo Camden Farebrother que as relações e articulações políticas de Middlemarch são mais complicadas e traiçoeiras do que o médico supõe em sua visão idealizada do lugar.
A questão do legista
No embate formado entre o idealismo e a inovação de Lydgate e conservadorismo de Dr. Sprague e Dr. Minchin, temos a questão, já mencionada pelo Prof. Mullan, da venda de remédios pelos próprios médicos – rechaçada por Lydgate e praticada pelos outros – e o debate quanto a quem deve exercer a função de legista: o advogado, como costumava ser, ou o médico, como passava a ser a tendência.
Ele pretendia começar, em seu caso, algumas reformas particulares que certamente estavam ao seu alcance e muito menos problemáticas do que a demonstração de uma concepção anatômica. Uma dessas reformas era atuar com firmeza com base na força de uma decisão legal recente e simplesmente prescrever, sem distribuir drogas ou obter uma porcentagem dos boticários. Essa foi uma inovação para alguém que optou por adotar o estilo de clínico geral em cidade rural, e seria sentida como crítica ofensiva por seus irmãos de profissão. Mas Lydgate pretendia inovar em seu tratamento também, e era sábio o suficiente para ver que a melhor segurança para sua prática honesta de acordo com sua crença era se livrar das tentações sistemáticas que se opunham a isso. (p. 94)
A lei a que Eliot se refere nesse trecho é o Apothecaries Act de 1815, que licenciou boticários a realizar “a prática plena de medicina paralelamente a médicos e cirurgiões.” O judiciário havia decidido em Allison v. Haydon que “um médico poderia prescrever remédios, mas não poderia cobrar para distribuir seus próprios remédios”. Como era de se esperar, a sociedade conservadora de Middlemarch nem sempre recebe ou reage bem às reformas e mudanças propostas:
“Para o inferno com as suas reformas!” disse Mr. Chichely. “Não há farsa maior no mundo. Você nunca ouve falar de uma reforma que não seja um truque para trazer gente nova. Espero que você não seja um dos homens do ‘Lancet’, Sr. Lydgate – querendo tirar o posto de legista das mãos da profissão legal: suas palavras parecem apontar para isso.”
As notas na edição crítica da Norton para Middlemarch informam que Lancet, o nome mencionado por Mr. Chichely em sua crítica, era uma revista médica fundada por Thomas Wakley (1795-1862) em Londres, em 1823. “George Eliot leu o Lancet extensivamente na preparação para escrever Middlemarch. Em seu Quarry de “Middlemarch”, ela observa que a posição do Lancet era de que o legista era “um ofício médico, que só poderia ser adequadamente ocupado por um avaliador médico” (p. 100). Os atritos entre os posicionamentos modernos de Lydgate e as reações conservadoras de middlemarchianos eminentes se repetem e agravam ao longo do romance, como veremos.
Mr. Bulstrode
Se “Old and Young” é amplamente dedicado a possibilitar que o leitor conheça Tertius Lydgate melhor, Eliot também introduz Mr. Bulstrode de forma mais minuciosa do que no Primeiro Livro. Mr. Vincy lhe faz uma visita para pedir que ele elabore a declaração solicitada por Mr. Featherstone no final de “Miss Brooke”. Preocupado com supostos rumores de que Fred estaria contraindo empréstimos oferecendo suas expectativas de herança como garantina, Featherstone solicitou o documento como condição para manter o jovem em seu testamento e lhe oferecer presentes em dinheiro.
Sobre a forma como a sociedade de Middlemarch enxergava Bulstrode, a narradora nos informa que a antipatia que a maior parte da população sentia em relação a ele advinha do fato de o banqueiro ser visto por alguns “como um fariseu” enquanto, para outros, o problema residia no fato de ele ser “evangélico” – isto é, um membro de uma das religiões dissidentes, não anglicanas. Para além disso,
Debatedores menos superficiais entre eles desejavam saber quem eram seu pai e seu avô, observando que, vinte e cinco anos mais cedo, ninguém jamais ouvira falar de um Bulstrode em Middlemarch. Para seu visitante atual, Lydgate, o olhar examinador era uma questão de indiferença: ele simplesmente formou uma opinião desfavorável sobre a compleição do banqueiro e concluiu que ele tinha uma vida interior ansiosa com pouco prazer em coisas tangíveis. (p. 79-80)
Embora seja breve aqui a sugestão de suspeitas acerca do passado de Bulstrode, ao longo dos livros seguintes, Eliot desenvolve a questão e revela mais sobre o passado deste poderoso cidadão de Middlemarch, que oferece um apoio crucial às reformas científicas que Lydgate pretende implementar.
Dorothea e Casaubon
Na segunda metade do livro, voltamos a ter contato com Dorothea, a crise em seu casamento se agravando pela insegurança de Casaubon em relação às próprias realizações acadêmicas, as dúvidas da própria Dorothea quanto ao brilhantismo do marido. Além disso, o casal sofre com uma aguda dificuldade de comunicação. Durante a viagem a Roma, em uma ocasião em que havia sido deixada sozinha pelo marido, Dorothea é vista por Mr. Ladislaw, que lentamente começa a reconhecer seu interesse pela esposa do primo. Casaubon se incomoda com a proximidade e as visitas de Ladislaw e, ao final do livro, o jovem decide declarar a própria independência financeira em relação ao primo e procurar meios de se manter, enquanto Casaubon requere que a esposa não mais mencione o amigo.
Embora “Old and Young” se aplique aos choques entre conservadorismo e inovação, como já discutimos, o contraste do tema do livro também se aplica à relação entre Dorothea e Casaubon, considerando-se a distância entre as idades do casal. “Old and Young” aponta para as presunções problemáticas que a protagonista havia feito sobre o casamento no primeiro livro, quando a narradora havia classificado suas noções como “infantis”.
Em sua inexperiência, a jovem julgara o pedantismo de Casaubon – rechaçado pelos familiares da então Miss Brooke – como sinais de sua genialidade. Ela julgou que seria possível aprender com ele e auxiliá-lo em seus estudos. Já casada, Dorothea se vê solitária e isolada, com Casaubon se recusando a compartilhar sua vida acadêmica com ela e reagindo mal às suas tentativas de aproximação.
No entanto, Dorothea estava chorando, e se tivessem solicitado que declarasse a causa, ela só poderia ter feito isso usando alguns termos gerais como eu já usei: ter sido levada a ser mais particular teria sido como tentar apresentar um história das luzes e sombras; pois aquele novo futuro real que estava substituindo o imaginário extraía seu material das infinitas minúcias pelas quais sua visão do Sr. Casaubon e sua relação de esposa, agora que ela era casada com ele, estava gradualmente mudando com o movimento secreto do pêndulo de um relógio o que tinha sido em seu sonho de solteira. (p. 124)
Se antes Dorothea via Casaubon como um acadêmico dedicado e brilhante que poderia lhe ajudar a tomar as melhores decisões e descobrir quais eram as ideias “realmente boas” e que o marido deveria ser, de certa forma, uma figura paternal que a guiaria, ela aos poucos percebe as fragilidades de Casaubon. Tais noções são ratificadas de forma devastadora quando Ladislaw explica à jovem que as investigações do primo lidam com questões há muito superadas por pesquisadores alemães. Dorothea se vê comprometida com uma causa inútil e sofre pelo desperdício de um esforço de uma vida toda por parte de Edward. Aos poucos, a insensatez de sua escolha começa a se revelar não somente em sua infelicidade, mas nas brigas e discussões com Casaubon.
De sua parte, Edward se encontra igualmente infeliz pela dificuldade de comunicação e falta de harmonia na vida de casado. Sobre um dos desentendimentos entre o casal, temos a seguinte passagem, que revela a insegurança de Casaubon em relação ao seu próprio trabalho:
Para a sensibilidade inexperiente de Dorothea, aquilo parecia uma catástrofe, mudando todas as perspectivas e para o Sr. Casaubon era uma dor nova, ele nunca esteve em uma viagem de casamento antes, ou encontrou-se naquela união próxima que era mais uma sujeição do que ele era capaz de imaginar, uma vez que essa jovem noiva encantadora não apenas o obrigava a demonstrar muita consideração em seu nome (o que ele tinha dado de forma diligente), mas acabou por ser capaz de agitá-lo cruelmente, exatamente em relação ao que ele mais precisava de conforto. Em vez de obter um abrigo gentil contra a plateia fria, sombria e insatisfatória de sua vida, teria ele apenas lhe dado uma presença mais substancial? (p. 129)
Embora Dorothea encontre em Ladislaw um amigo com quem se comunica com facilidade e que remedia seu isolamento e solidão, Casaubon se sente inseguro com as súbitas visitas frequentes do primo e se incomoda, particularmente, com a proximidade entre a esposa e Will. Ao final do livro, a relação entre os primos já se encontra profundamente deteriorada e, com o anúncio de que Ladislaw não mais contará com o auxílio financeiro do primo, Casaubon solicita que a esposa não mais mencione Ladislaw. O livro se encerra com a obediência de Mrs. Casaubon: “Dorothea did not mention Will again.” (p. 144)
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Na próxima semana, nossa série dedicada à releitura de Middlemarch no ano do bicentenário de George Eliot abordara o terceiro livro do romance, “Waiting for Death”. Não deixe de compartilhar suas experiências de leitura desta e outras obras de Eliot nos comentários aqui, no Facebook, no Instagram ou no Twitter!
REFERÊNCIAS
ELIOT, George; HORNBACK, Bert G. Middlemarch: A Norton Critical Edition. New York: Norton, 2000.
MULLAN, John. Middlemarch: reform and change. 2014. Disponível em: https://www.bl.uk/romantics-and-victorians/articles/middlemarch-reform-and-change