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Resenha: Rye Lane (2023), de Raine Allen MillerLeitura em 5 minutos

O filme Rye Lane estreou no Brasil em 2023 na plataforma digital Star+ e o elenco inclui nomes como David Jonsson, Vivian Oparah, Colin Firth, Alice Hewkin e Karene Peter. Dirigido por Raine Allen-Miller e com o roteiro de Nathan Bryon e Tom Melia, a obra conta a história de dois jovens que estão se recuperando do fim de relações complicadas e por acaso se encontram em uma galeria de arte. 

Segundo os roteiristas, ambos sentiram que Rye Lane (2023) precisava, de uma certa forma, começar em uma galeria de arte. Bryon alega que pessoas negras dificilmente são mostrados no mundo da arte no universo cinematográfico. Geralmente, a ambientação é isolada da cidade e longe do acesso à cultura. O roteirista comenta que “aquele espaço, com um grupo legal de lindas pessoas negras, pra mim isso é especial”. 

Com protagonismo negro, temos na abertura do filme os personagens principais, interpretados por duas estrelas em ascensão – Oparah e Jonsson – se encontrando em um banheiro de gênero neutro em uma galeria de arte. Dom está chorando por ter tido o seu coração partido por sua ex namorada Gia (Karene Peter). De cara, Yas demonstra interesse em Dom. A partir de um instinto de curiosidade, ela se torna a companhia dele durante um dia inteiro, o ajudando a esquecer – e até superar – o rompimento. 

A ex-namorada de Dom o troca pelo seu melhor amigo e isso o deixa muito abalado. Em entrevista para Rhea Ellen em seu canal no Youtube, Jonsson revela que admira Dom pela sua sensibilidade.

“Ele ama, ele sente falta, ele é muito emotivo, ele não se importa que não tenha se desculpado por chorar e eu o amo por isso. Quando penso que, como homens negros, nós nunca nos permitimos chorar e agora, ser capaz de fazer e gostar disso, é um grande salto para mim.”

Já Yas, que também saiu de um relacionamento recente, se mostra mais tranquila ao lidar com suas emoções – pelo menos no início. Na mesma entrevista, Oparah diz que

as mulheres negras muitas vezes sentem que precisam ser fortes, precisam ter tudo sob controle, precisam manter as coisas em constante movimento. Eu de certa forma me sinto culpada por não ter essa perspectiva para mim mesma e por gostar de ter a oportunidade de interpretar uma jovem negra com o pensamento do tipo ‘eu não sei o que está acontecendo, mas vou apenas ir com a brisa me levando’. No início foi caótico, eu sabia que aquela não era eu, mas eu gostei bastante.

A trama é muito bem estruturada, com problemas e inseguranças reais de jovens adultos. Yas e Dom brigam, cometem loucuras, têm momentos cômicos como qualquer um.  Embora pareça que Rye Lane será mais um clichê romântico onde os personagens vivem felizes para sempre, o filme complica essa impressão, flertando e subvertendo as convenções do gênero comédia romântica. 

Outro elemento interessante de Rye Lane são as participações especiais. Temos os comediantes Munya Chawawa e Michael Dapaah, o ator Omari Douglas, o cantor Fredrik Ferrier e por último, mas não menos importante, Colin Firth. O último a ser citado fez uma pequena participação servindo burritos em uma loja chamada Love Guac’tually – uma referência ao clássico de Natal do qual Firth participou, Love, Actually. Firth ter aceitado participar do filme foi uma surpresa para todos os envolvidos. 

Ao longo do filme, vemos que nada é por acaso. O casal Dom e Yas estão de alguma forma conectados por seus amigos em comum, mas se encontram em uma situação inusitada e acabam ficando juntos por um dia inteiro. Por meio de conversas, debates, risadas, os dois passeiam pelo sul de Londres, que é também tematizado pelo filme. O casal passa por Peckham e Brixton, bairros multiculturais do sul de Londres. O título do filme Rye Lane também remete a rua principal de Peckham e os dois bairros se tornam também personagens centrais da trama. 

ilustração de Stella Murphy

Allen-Miller disse que só se juntaria a equipe se seu filme de estreia fosse ambientado no sul de Londres, local onde passou grande parte de sua vida. A diretora diz que “queria quase escrever uma carta de amor” para a região onde se mudou quando tinha apenas 12 anos para morar com seu pai e sua avó. 

A fotografia do filme também é muito fascinante, assim como o figurino também. O filme é filmado em uma paleta de cores variadas e vivazes, e uma câmera olho de peixe explora a visão de mundo pouco convencional de alguns dos personagens. Essa atmosfera sonhadora e alegre serve de contraste para a forma como Peckham foi diversas vezes retratada na imprensa e nas artes britânicas. Allen-Miller diz que estava “tentando fazer um filme engraçado e feliz no sul de Londres”. Ressaltando a beleza do lugar, a diretora “captura pedaços que são lindos e especiais”, em entrevista para o  New York Times

Rye Lane é uma comédia romântica tem um olhar e uma voz próprias, mas recupera convenções dos clássicos do gênero. Neste processo, também mostra um lado de Londres que não é comumente abordado em obras com esse tom. Bryon afirma que “queríamos que o filme e a localização do mesmo fossem pessoais para o público que a conhece e também que apresentasse uma nova visão de Londres, uma Rye Lane, para quem vem a Londres.”

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Graduanda em Letras Inglês/Literaturas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Curadora de conteúdo no projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil. Amante de Literatura Afro-Americana e Cultura Pop. Suas pesquisas estão entre os dois mundos. Pesquisadora de Zora Neale Hurston, buscando uma leitura mulherista em sua narrativa. E, recentemente, pesquisadora de canções narrativas presentes no álbum Harry's House (2022) de Harry Styles.

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