Who’s Afraid of Little Old Taylor?: os primeiros respiros de THE TORTURED POETS DEPARTMENT: THE ANTHOLOGY
Na noite do dia 4 de fevereiro de 2024, Taylor Swift se tornou a primeira artista a receber quatro estatuetas de Álbum do Ano nos Grammy Awards. Naquela mesma noite, ao ganhar seu 13º Grammy, ela havia anunciado a data do lançamento do seu mais novo álbum de estúdio: THE TORTURED POETS DEPARTMENT (2024). O anúncio foi uma surpresa, já que os fãs, em sua maioria, estavam aguardando notícias sobre a regravação do álbum reputation (2017).
Alguns dias depois, Swift divulgou o nome das faixas do álbum, assim como de algumas faixas bônus. Os fãs começaram a tentar prever a sonoridade do álbum a partir de sua estética, revisitando seus álbuns mais aclamados pelas letras, como folklore (2020) e evermore (2020), e tentando desvendar o conteúdo das letras a partir dos títulos das canções. THE TORTURED POETS DEPARTMENT teve um dos anúncios mais misteriosos de Swift, desde reputation (2017), com um breve poema que termina com: “All is fair in love and poetry”.
THE TORTURED POETS DEPARTMENT reúne a eloquência, a poesia e a construção de cenas de folklore e evermore, com o tom confessional, vastamente explorado por Swift anteriormente, mas decididamente influenciado por artistas como Lana Del Rey e Florence Welch, esta última presente na faixa “Florida!!!”, um dos pontos altos do álbum.
I was supposed to be sent away
But they forgot to come and get me
“Fornight” (feat. Post Malone)
Swift nos introduz ao seu novo álbum com um verso que faz alusão a ser levada à força. A expressão inglesa “to be sent away” geralmente relaciona-se a noções de encarceramento, ou, como o videoclipe da música explicita, uma ala psiquiátrica. A voz cancional em THE TORTURED POETS DEPARTMENT parece ser, nesse primeiro momento, não-confiável, pertencente a alguém em estado de insanidade.
As you might all unfortunately recall
I had been struck with a case of restricted humanity
Which explains my plea here today of temporary i n s a n i t y.
Prólogo do THE TORTURED POETS DEPARTMENT
Essa perspectiva já parecia estar sendo preparada nas últimas faixas do álbum MIDNIGHTS (2022). Na ponte de “Dear Reader” Swift canta: “You wouldn’t take my word for it/ If you knew who was talking”. Ao longo de sua carreira a artista convidou seus fãs a dividirem o espaço das suas músicas com ela, e teve esse lugar de intimidade invadido pela mídia que transforma seus versos em manchetes. folklore e evermore se evadem da realidade biográfica e convidam ouvintes a imaginar as cenas e enredos criados por Swift, destacando suas habilidades como contadora de histórias, para além do tom confessional. No prólogo de THE TORTURED POETS DEPARTMENT, Swift brinca com as evidências que suas canções parecem mostrar da sua vida, convidando a todos a investigar as letras, sabendo do caráter elusivo, das confusões e dúvidas propositais que ela insere lá. “De quem ela está falando?” ou “Ela disse isso mesmo?”, foram reações recorrentes dos ouvintes nas redes sociais.
O álbum lida com relatos de relacionamentos, possíveis infidelidades, a vigilância da imprensa, a experiência de rodar o mundo reunindo milhares de pessoas, de encontrar um novo amor e de observar como está a vida das pessoas ao seu redor. THE TORTURED POETS DEPARTMENT traz à tona uma Taylor Swift sem muitos filtros, iluminando alguns pensamentos que rondam a mente da cantora mais popular do nosso momento.
O álbum foi recebido com algumas resenhas mornas por parte da imprensa tradicional. The New York Times publicou um texto elogiando alguns aspectos da obra, mas acusando o álbum de ser longo demais e autoindulgente. The Guardian afirma que Swift voltou ao seu estado natural: se vingar dos seus ex-namorados. Até os elogios à escrita de Swift surgem em tom sarcástico: o The Guardian afirma: “se temos que ter uma única artista dominando o pop, poderíamos ter escolhido pior”.
I was tame, I was gentle ‘til the circus life made me mean
“Don’t you worry, folks, we took out all her teeth”
Who’s afraid of little old me?
Well, you should be
– “Who’s Afraid of Little Old Me?”
THE TORTURED POETS DEPARTMENT: THE ANTHOLOGY, sua versão de 31 canções, já responde a essas críticas, pois elas não são novas. Taylor Swift conquistou sucesso com seu poder de contar histórias e de contornar narrativas. “Who’s Afraid of Little Old Me?” aborda como as composições de Swift frequentemente são vistas como uma arma: as letras da compositora são seu ponto forte, mas também são de onde uma parcela do público parte para atacá-la. A canção revela como Swift se sentiu muitas vezes na indústria, tendo sua primeira gravadora se voltando contra ela e passando pelo escrutínio da mídia à cada nova gravação. Já “Clara Bow”, em um movimento mais intimista, mostra uma série de versões poetizadas de palavras que Taylor Swift ouve ao longo de sua carreira: que ela parece com artistas que a precederam e, por fim, que artistas mais jovens serão comparados a ela, e tomarão seu lugar.
Durante a primeira parte do álbum, navegamos majoritariamente pelas letras de Swift na produção pop de Jack Antonoff, enquanto a segunda parte, da versão “The Anthology”, é quase inteiramente produzida por Aaron Dessner, com a sonoridade alternativa e folk, que remete ao folklore e ao evermore. A segunda parte do álbum é pouco mencionada pelos dois veículos anteriormente citados, com letras que se aproximam das inspirações mais atuais de Taylor Swift, Florence Welch e Lana Del Rey.
“The Albatross” responde a famosas frases de “homens velhos”, da perspectiva dessa mulher, vista como um albatroz, que ao longo da música é retratada como uma ameaça, mas ao final está em uma operação de resgate. Algo parecido acontece em “Cassandra”, que remete tanto ao mito grego quanto à canção homônima do mais recente álbum de Florence + The Machine. A Cassandra atormentada de Welch já está morta no álbum de Swift. A icônica vidente desacreditada por quem a ouve, amaldiçoada por Apolo, deus das artes, só consegue provar que está certa quando o pior lhe acontece. “So they set my life in flames, I regret to say/ Do you believe me now?”, canta Swift. A segunda parte do álbum ainda conta com uma canção nomeada de “Robin”, filho de Aaron Dessner, na qual Swift escreve sobre a inocência da infância, as deliciosas fantasias que essa idade carrega e como esses sonhos devem ser protegidos, pois a hora dos pesadelos sempre é certa.
“You got the dragonflies above your bed
You have a favorite spot on the swing set
You have no room in your dreams for regrets”
“Robin”
As 31 faixas de THE TORTURED POETS DEPARTMENT: THE ANTHOLOGY guardam significados e mundos impossíveis de serem desvendados em poucos dias. Seus ouvintes mais apressados buscaram os versos mais despojados para tirá-los de contexto, e acusarem a considerada uma das maiores compositoras da contemporaneidade de ser medíocre. Taylor Swift, mais uma vez um passo à frente, deixa-nos discutir sobre os vestígios de sua vida que ela parece deixar escapar nas suas canções.
Maior do que qualquer nome citado, ou insinuado, e do que qualquer situação a qual Swift parece aludir em THE TORTURED POETS DEPARTMENT, é o seu talento ímpar para traduzir sentimentos, seus e de outros, envolver sua experiência com a das artes que ela consome e de virar o discurso que é feito sobre ela a seu favor. Às vezes essa autoconsciência pode ser confundida com autoindulgência. THE TORTURED POETS DEPARTMENT ainda tem muito a dizer, afinal, tudo é justo no amor e na poesia. Estamos no início do que parece ser, até então, o projeto mais sincero, vulnerável e intrigante de Taylor Swift.
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Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador com interesse em teorias do ensaio, com foco em Virginia Woolf, e estudos de canção, com foco nas letras de Taylor Swift. Membro do grupo de trabalho do Literatura Inglesa Brasil. Oferece cursos sobre literatura e canção na empresa Senhora Bennet. Membro do KEW - Kyklos de Estudos Woolfianos.