A diferença entre poesia e canção pode parecer clara para o senso comum, mas Florence Welch desafia presunções em torno dos dois conceitos em seu livro de estreia. Lançado em 2018, Useless Magic: Lyrics and Poetry apresenta as letras de todas as canções dos quatro primeiros álbuns da cantora junto à banda britânica Florence + The Machine. O livro intercala as letras com imagens da própria cantora e outras que serviram de inspiração para ela. O ponto alto para os fãs da banda está na última seção, que traz uma coleção especial de poemas inéditos da artista.
Já no prefácio do livro, Welch propõe reflexões sobre a canção e a poesia. Segundo a artista:
As canções podem ser incrivelmente proféticas, como advertências ou mensagens subconscientes para mim mesma, mas muitas vezes só entendo o que estou tentando dizer anos depois. Ou uma previsão se realiza e eu não pude fazer nada para impedir, então parece uma espécie de magia inútil. Como se a canção estivesse de alguma forma falando através de mim em sua própria linguagem. E eu sou um condutor, totalmente alheio à sua sabedoria. É por isso que a poesia, ou mesmo ter as letras escritas em algum lugar, é estranho para mim. O ato de cantar dá às palavras e frases mais mundanas reverência e glória. Você pode fazer um santuário de qualquer coisa. A canção tem sua própria personalidade e é maior e mais forte do que eu. Com mais a dizer, apenas escrever algo e deixá-lo ali, na página, me parece algo imensamente vulnerável. E é por isso que a poesia, de muitas maneiras, acabou sendo mais reveladora. Você pode ter tudo. Eu não sei o que faz uma canção ser uma canção e um poema ser um poema: eles começaram a se entrelaçar nessa fase.
Embora revele não enxergar uma distinção entre poesia e canção, Welch propõe uma conexão clara entre essas duas formas artísticas. Ao longo do livro, o leitor percebe que os poemas poderiam facilmente ser interpretados como letras de canções e vice-versa. Muitos poemas já foram musicados: alguns se tornam ainda mais conhecidos por meio de suas versões em forma de canção. As reflexões propostas por Florence no prefácio não devem soar estranhas para outros artistas que também exploram as fronteiras entre poesia e música.
No livro, a cantora parece um pouco tímida ao falar do seu processo de escrita com a poesia, já que se trata de seu primeira livro. O interessante neste livro de estreia é que nos deparamos com uma Florence descobrindo as possibilidades que a escrita permite. Por isso o seu texto é tão interessante e ao mesmo tempo tão honesto. Ela se apresenta como uma artista que se envolve em ambas as formas artísticas, porém, sem a pretensão de teorizar profundamente sobre o seu processo de escrita.
No entanto, engana-se quem pensa que Florence não está familiarizada com a poesia. Em entrevista para Crown Publishing Group, Welch revelou que na maioria das vezes, antes da letra da canção existir, primeiro existe o poema. Para ela, as duas artes não estão separadas. “Patricia”, por exemplo, é apresentado no livro como um poema e também como canção. Antes o fã só tinha conhecimento da canção, que é uma linda homenagem à também poeta e cantora Patti Smith. Na versão em poema, os dois últimos versos da estrofe do poema são: “How many have to die/ So that you can feel loved”, enquanto na canção temos: “but how’s that working out for you, honey/ do you feel loved?”.
Na obra temos acesso a uma faceta diferente da mesma Florence que se apresenta em arenas e festivais pelo mundo. É também interessante pensar nas escolhas que Welch faz para criar um poema. Ainda que não se proponha a distinguir com clareza o que é uma canção e o que é um poema, a artista compõe as duas formas com maestria.
Ler Useless Magic é sem dúvidas uma experiência sensacional para quem já conhece o trabalho de Florence + The Machine, além de ser um ótimo souvenir para quem é colecionador. Para aqueles que não estão inseridos no fandom da banda, o livro de poemas também é uma excelente opção para passar a conhecer mais. Também vale muito a pena conferir a artista recitando alguns dos seus poemas presentes no livro. Temos registros de “Monster“, “New York Poem (For Polly)“, “Maybe It Would Be Fun” e “Song“. Pode ser mais interessante ainda ouvir a narração da artista com o livro em mãos.