Altas expectativas foram criadas a partir do momento que o diretor e roteirista sul-coreano, Bong Joon-Ho, extraordinariamente reverenciado após Parasita (2019) ter levado o Oscar de 2020 três prêmios: melhor roteiro, melhor direção e melhor filme estrangeiro. Este último foi seguido por um dos discursos mais impactantes no Globo de Ouro do mesmo ano: “Se vocês superarem a barreira das legendas, vocês serão apresentados a muitos filmes incríveis. Acho que usamos apenas uma língua: a língua do cinema.” Essas expectativas não partiram apenas dos fãs do diretor, mas de toda uma comunidade engajada posteriormente ao sucesso mundial de seu último trabalho. O novo projeto Mickey 17 (2025), que é adaptado do livro Mickey7 (2022) do escritor de ficção científica Edward Ashton, foi dirigido e escrito por Bong Joon-Ho, que trouxe consigo grandes expectativas tanto do estúdio responsável pelo projeto quanto dos cinéfilos. O filme teve sua estreia no dia 6 de março nos cinemas brasileiros.
Mickey Barnes é um homem falido que, fugindo, se sujeita a uma missão de colonização para o planeta inabitável de Niflheim. Como ele não tem qualificações, se candidata a vaga de prescindível em um programa de clonagem humana, no qual ele se torna um descartável para o bem do desenvolvimento tecnológico humano. Submetido a diversos experimentos fatais, ele é reimpresso todas as vezes que a morte eminente bate à sua porta, tendo as suas memórias recarregadas na consciência das novas versões de si mesmo. Porém, quando a nova versão “Mickey 18” é impressa, a morte da versão anterior não acontece como as outras, o que traz consequências inesperadas para todos.
O roteiro do filme segue o do livro até certo ponto, pois Bong Joon-Ho tem uma assinatura própria, de modo a seguir outros de seus trabalhos e conduzir personagens extravagantes, bizarros e caricatos. Alguns tons se assemelham a Okja (2017), a Expresso do amanhã (2013) por sua discussão de relações de classe, o “tragicômico” de Parasita, e a combinação de questões políticas com humor que rodeia o enredo de Memórias de um assassino (2003). De alguma forma, é extraordinário como conseguimos identificar neste longa correlações com outras produções do diretor, seja na cinematografia ou nas técnicas utilizadas na direção.
Mickey representa as massas de pessoas que resignam-se a extrair qualquer força de trabalho pagando o mínimo possível. O tom crítico tem sentido objetivo quando o protagonista morre pelo trabalho e com comentários narcisistas de figuras populistas mensurados aqui no personagem interpretado pelos atores Mark Ruffalo e Toni Collette. A atuação de Robert Pattinson rouba a cena nos papéis de Mickey 17 e 18, mudando a personalidade e tom da voz, o que me lembra O diabo de cada dia (2020), tendo uma performance brilhante e versátil como já visto em outros trabalhos do ator.
Sendo a adaptação uma compreensão própria do intérprete, assisti-se ao filme com isso em mente e, conhecido o cinema sul-coreano, pode-se imaginar em pequena escala o que se esperar da sala de cinema. Mesmo assim, a oportunidade de assistir mais uma obra com o mesmo tom característico do diretor é um deleite. Apesar de que, quando saiu a notícia que ele iria fazer a adaptação do livro e trabalharia com a Warner Bros, as expectativas de quem aguardava o filme ficaram baixas quanto a possibilidade do diretor de ter o privilégio do corte final. De acordo com a entrevista de novembro de 2024 para a Empire, o Bong Joon-Ho explicou que o estúdio respeitou o direito ao corte final e que a Warner não teria interferido. Até as partes mais nojentas e desconfortáveis do filme foram propositais.
A partir desse momento, o espectador foi tomado por expectativas altas que no final não foram totalmente supridas, por acreditar que o enredo e a trama tinham o levado por muitos caminhos de pautas e críticas sociais que, durante a exibição do longa, pareciam serem abandonados no roteiro. Ainda assim, não tira o brilhantismo original da adaptação e dá um gostinho de quero-mais, além de fazer o espectador sentir de fora da tela a sensação do desconforto, do nojento e do grotesco.
Com muita identidade, o filme é divertido e traz reflexão sobre diversas pautas sociais, políticas e outras questões atuais sobre o capitalismo. Temos representada a precarização do trabalho e da vida. Não tenta trazer uma adaptação fidedigna, mas sim carregar sutis diferenças e abordagens. No livro, o personagem Mickey 7 é mais devaneador, a introdução à colônia é bem apresentada, e o personagem do Marshall expressa o culto à personalidade, de forma que são adicionadas cenas no filme para representar essas partes já abordadas no livro. Os dois primeiros atos são envolventes e divertidos, enquanto o último parece que algo ficou a desejar. Mesmo assim, continua sendo um filme grandioso de um diretor que se arrisca a misturar temas numa sátira política.
Publicado por

Helenise Guimarães
Helenise Guimarães é licenciada em Letras Língua Inglesa (UFPA), Especialista em Ensino da Língua Inglesa (FOCUS), Estudante de Pedagogia (UNINTER). Leciona língua inglesa no ensino público municipal em São José, SC. Intrega o grupo de trabalho do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem interesse em pesquisa em cultura coreana e tailandesa. Atualmente pesquisando a autora Min Jin Lee e sua obra Pachinko (2017) e a representação da diaspora coreana.