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Poeta na academia?Leitura em 4 minutos

Quando imaginamos como se parece a escrita de uma graduanda na licenciatura de letras somos apontados em uma direção e quando imaginamos como se parece a escrita de uma poeta as bússolas enlouquecem e nos levam a um caminho… oposto?

         Norte & Sul. Leste & Oeste. Academia & Coração. Parecem não combinar e não poder adentrar os locais sagrados um do outro. Essa tal escrita parece não caber nem aqui nem ali. Numa espécie de caráter fragmentado, nada científico e/ou acadêmico ainda que muito pouco poético para ser artístico, surge um dilema.

         E nesse dilema vivo eu. Nessa corda bamba do pensar onde muito se produz e mais ainda se estuda sem jamais querer perder a curiosidade e encanto pelo saber.

         Eu sou graduanda na licenciatura de letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

         Eu sou poeta, autora nacional, carioca da gema, apaixonada pelas palavras.

         Eu sou… Eu sou… E entre uma frase e outra parece haver um muro que eu não coloquei ali. Talvez porque o cânone não permitia a pluralidade identitária. Eu, mulher, aluna, entro em conflito com essas tradições pertencentes a academias e mundos que não foram feitos pra mim. Eu me choco, eu causo dissonância, e eu poetizo até me fazer caber num lugar só meu.

         Essa tem sido minha vida e luta desde o segundo semestre de 2018, quando pisei na UERJ pela primeira vez enquanto aluna daquele labirinto de rampas cinzentas. Naquele ano, pensei pela primeira vez que “tudo aqui já foi um sonho”, frase que me acompanharia ao longo da graduação.

         Mas nem todos os momentos são fáceis e/ou convidativos. Do instante da minha matrícula em diante parecia que eu teria que escolher quem eu precisaria ser pra me encaixar. Eu sou Ana Clara sobrenome tal, matrícula tal, período tal, bolsista do projeto tal, que você encontra às 7h da manhã na sala tal… ou eu sou Clara Barreiros, a poeta?

         Descobri, ainda no primeiro período da faculdade, que quem somos não é algo que a gente liga ou desliga num botão. As nossas experiências e bagagens nos acompanham a cada jornada. E eu não deixo de ser poeta quando me sentam numa carteira e me pedem pra responder as questões da provas de linguística. Não  deixo de ser poeta quando falo inglês e encontro, numa palavra ou outra, universos pedindo pra ser explorados. Não deixo de ser poeta quando nas aulas de literatura me emociono ao ler Emily Dickinson.

         Acho que a maior prova que ofereci a mim mesma até hoje de que eu não deixo de ser poeta só porque sou também graduanda foi escrever meu primeiro livro… no caminho para a faculdade. Com textos acadêmicos equilibrados no colo, de repente um poema gritava no coração e era escrito na beirada na folha. Que o professor de latim me perdoe, há muitos rascunhos na apostila daquela Ana Clara do primeiro período. Com cadernos de poesia a minha frente no horário do almoço, eu pensava em ensaios que comparavam os livros que li na adolescia aos que pertencem a literatura clássica. Com todas as muitas versões de mim e da minha escrita eu preenchi diversas folhas de prova e diversas páginas de livro. O saber acadêmico e a emoção de estar ali sempre ali.

         Quando eu entrava naquele trem no bairro dos meus pais, o céu ainda escuro e a mochila pesada de sonhos, eu pensava se estava a altura do desafio. Me questionava se daria orgulho a minha família e as professoras que eu tento admirava. Se conseguiria concluir os ciclos, atar as pontas soltas.

         Eu segui entrando naquele mesmo trem. Já faz alguns anos. E as estações passaram. Sempre me levavam ao bairro onde mora a UERJ, Maracanã. Aquele mesmo trem me levou também a Estação Poesia – nome do meu primeiro livro. É também o nome de um lugar que eu ocupo no mundo. E é a prova de que há quem produza academicamente sem se deixar enrijecer pela tradição.

         Eu sigo graduanda de letras, eu sigo poeta, eu sigo. E a cada passo a bagagem vai comigo. 

Publicado por

Ana Clara Barreiros

(Ana) Clara Barreiros se define como poeta de improvisos com vitiligo na pele e céu no coração. 

Bacharel em letras, carioca, swiftie & apaixonada pela literatura… Ela divide agora com quiser ler seus versos e histórias.

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