Cecil Woolf, sobrinho de Leonard e Virginia Woolf, faleceu na segunda-feira, dia 10/06, aos 92 anos. Ao lado de sua companheira, a premiada biógrafa Jean Moorcroft Wilson, Cecil editou e publicou uma série de livros temáticos sobre o Bloomsbury Group e sobre a vida e obra de Virginia Woolf, especificamente. A “Bloomsbury Heritage Series” continua a informar gerações de pesquisadores dos artistas, amigos e amantes – um trabalho que faz a ousadia do pensamento de Bloomsbury circular no século XXI e além.
Ao longo dos anos, Cecil se tornou um grande amigo dos pesquisadores de Virginia Woolf, por razões óbvias. Ele talvez tenha sido o último elo que mantínhamos com a vida privada da mulher Virginia, já que se hospedou com o casal por períodos longos, acompanhou o trabalho do seu tio na Hogarth Press de perto, e por fim deu continuidade à tradição de edições independentes e provocativas que Leonard e Virginia iniciaram como um projeto familiar, mas com grandes efeitos políticos. Os trabalhos que interessavam Cecil revelam sua filiação à sua tia e ao seu tio: pensar a paz como um esforço humano para desativar nosso hitlerismo subconsciente, nas palavras de Virginia em “Pensamentos sobre paz durante um ataque aéreo” (1940), é o que interessava Cecil, que lançou The Other Boy at the Hogarth Press – Virginia and Leonard Woolf as I Remember Them no encontro anual de pesquisadores woolfianos, a Annual International Conference on Virginia Woolf, em Reading, 2017. Em um jantar com Cecil, lembro de seu tom solene ao dizer: “nada na minha infância ou adolescência me marcou mais do que a presença dominante de Virginia Woolf.”
A 29ª Virginia Woolf Conference aconteceu este ano na Mount St. Joseph University, EUA. Pensando sobre essa ligação indelével entre as questões de um passado modernista e nosso eterno momento contemporâneo, Drew Shannon, o organizador da conferência de 2019, escreveu o seguinte texto, que traduzimos e reproduzimos em profunda gratidão pelo trabalho generoso de Cecil Woolf, “um verdadeiro homem de letras”.
A partir da esquerda, em sentido horário: Davi Pinho, Suzanne Bellamy, Elisa Kay Sparks, Cecil Woolf, Jean Moorcroft Wilson e Judith Allen. | Foto: Acervo pessoal de Davi Pinho
Relato de Drew Shannon*
PARA UM VERDADEIRO HOMEM DE LETRAS
Conheci Cecil Woolf no verão de 2004, na Virginia Woolf Conference “Back to Bloombury”, em Londres. Eu tinha acabado de ouvi-lo falar sobre suas lembranças de Virginia e Leonard e, nervoso, o abordei no lobby da Senate House. Ele imediatamente pegou minha mão e, visivelmente aborrecido por alguém ter feito um comentário maldoso sobre Leonard enquanto marido da Virginia, ele olhou para mim através dos óculos com seus olhos grandes e claros (sua característica mais marcante, na minha opinião), e perguntou: “Você poderia me dizer por que algumas pessoas odeiam Leonard?”. Eu fiquei igualmente surpreso com a questão e lisonjeado por ele perguntar aquilo para mim, já que eu era um aluno de pós-graduação na minha segunda Woolf Conference, e o que diabos eu sabia? Respondi que eu, pessoalmente, não odiava Leonard e achava que ele era o melhor marido que Virginia poderia ter desejado. Naquele momento, ele segurou minha mão com mais força e uma amizade nasceu.
Começamos a trocar correspondências quase imediatamente. Eu acho que todo woolfiano que conheceu Cecil passou o primeiro momento em sua presença superando o fato de que ele CONHECEU VIRGINIA WOOLF. Mas, felizmente, isso era realmente o menos importante, pelo menos para mim, e eu rapidamente comecei a amar o homem por ele mesmo: por sua perspicácia, seu charme, sua energia incessante, sua mente afiada, sua gentileza e consideração. E, sob aquele charme, havia uma inteligência mordaz. Eu sempre lembrarei com carinho do ocasional comentário sussurrado em meu ouvido em muitos eventos, observações feitas para me fazer rir e que exigiam todo o equilíbrio que eu possuísse para me manter sério.
Aquilo que poderia ser percebido como uma tentativa de impressionar, era simplesmente um catálogo de seus afetos. Ele dizia: “Jean, foi em que ano que recebemos Edward Heath para jantar?” (Sim, aquele Edward Heath). Ou “encontrei o Quentin Crisp no Regent’s Park, e ele disse…”. Ou “T. S. Eliot me disse uma vez… ”. E sua anedota impagável sobre Duncan Grant, com o cabelo comprido e desgrenhado nos anos 1960, vagando por Piccadilly: quando questionado por Cecil sobre sua aparência, Duncan respondeu distraído: “Bem … meu barbeiro morreu.”
Ao longo dos anos, ele se hospedou na minha casa e eu na dele, fizemos muitas refeições juntos, bebemos inúmeras garrafas de vinho, assistimos a filmes juntos, passeamos juntos. A bondade dos Woolf comigo e com o meu marido, John McCoy, não conhecia limites. Eles também, muito gentilmente, receberam três grupos de alunos meus da Mount St. Joseph University, presenteando-os com histórias de Leonard e Virginia, e permitindo que eles tocassem nas pinturas de Vanessa Bell e Duncan Grant, e na linda mesa da Omega Workshop em sua sala de estar. Sempre me lembrarei da sala silenciosa, cheia de alunos ouvindo Cecil falar com sua voz suave e às vezes solene.
Alguns outros momentos de vida:
Cecil e Jean vindo me resgatar quando fiquei preso em Londres por uma noite a caminho de Barcelona, vindo me buscar na estação de metrô Mornington Crescent, me carregando até a casa deles, me plantando na mesa onde Leonard e Virginia uma vez imprimiram os livros da Hogarth Press, Jean me fazendo um prato de ovos mexidos à uma da manhã e Cecil acalmando meus nervos por causa do voo perdido.
John, Jean, Cecil e eu miseravelmente perdidos nas estradas secundárias próximas à Georgetown College durante a conferência de 2010, devido a uma confusão entre as estradas chamadas “Lemon’s Mill” e “Old Lemon’s Mill”. Na manhã seguinte, Jean gritou do banco de trás, “Agora, John, enquanto você dirige, lembre-se: é a Lemon’s Mill, não a Old Lemon’s Mill!” Ela segurou meu braço e disse: “Ontem à noite, eu realmente pensei que estávamos ficando loucos, e você?”
Sentado ao lado de Jean, Cecil e John, todos de pijama em nossa mesa de jantar, tarde da noite, depois das atividades da conferência em Georgetown, bebendo vinho, comendo queijo e falando sobre a vida literária em Londres.
Assistindo a Um Dia de Cão (Cecil era obcecado por Al Pacino, mas nunca tinha visto esse) em um DVD que eu tinha comprado para ele naquele dia, em uma pequena TV em sua sala de estar, nós quatro curvados para enxergar. Quando Al Pacino gritou: “Attica! Attica!”, Cecil disse: “Só na América. Só na América”.
Entrevistando Cecil sobre sua história na indústria editorial e as figuras interessantes que ele conheceu por lá. Com sua modéstia habitual, ele disse: “Certamente você está cansado. Não está entediado?”
Sua paciência comigo enquanto eu trabalhava em um livro que ele publicaria, que eu simplesmente não conseguia terminar por estar ocupado, por causa das aulas e por neurose. Quando finalmente entreguei, ele disse: “Ah, finalmente. Tenho em mãos sua magnum opus”.
Há outros, mas prefiro guardar alguns para mim.
Perdemos um grande homem na segunda.
Descanse em paz, Cecil Woolf. Obrigado por ser nosso elo com um passado ao qual todos desejamos nos conectar e por ser essa grande força da natureza em nosso presente.
*Dr. Drew Shannon é Professor Associado do Departamento de Artes Liberais da Mount St. Joseph University, EUA.
Crédito da foto em destaque: Blogging Woolf
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