Em matéria publicada no The Observer recentemente, Donna Ferguson discute o novo livro de Katherine Rundell. A autora, que atua como pesquisadora da obra de John Donne na All Souls College, Oxford, declarou ser leitora da série Paddington, elogiando o fato de que “a estrutura que Michael Bond construiu em seus livros expressa esperança.” Rundell observou que, na escrita de Bond, “coisas que parecem ser negativas acabam sendo apenas engrenagens de uma máquina maior” e que ela acredita que o autor “vê a vida como algo milagroso, e isso transparece na estrutura do livro”.
A autora define seu livro, Why You Should Read Children’s Books, Even Though You Are So Old and Wise (“Por que você deveria ler literatura infantil apesar de ser tão velho e sábio”, em tradução livre), como um manifesto. A obra, que será lançada em agosto pela Bloomsbury, procura incentivar mais adultos a levar a literatura infantil a sério.
A ideia de escrever o livro teve origem na experiência pessoal da escritora. Rundell é autora de livros infantis e relata que, na vida acadêmica, frequentemente recebe “um sorriso profundamente condescendente” de seus pares quando diz que escreve para crianças. Neste sentido, o livro trata não apenas do estigma em torno da leitura de literatura infantil por adultos, mas aborda também uma noção velada de que este é um gênero de alguma forma inferior.
Em Why You Should Read Children’s Books, Rundell defende que a literatura infantil pode oferecer experiências imaginativas distintivas para adultos. Aos 32 anos e integrante da primeira geração que cresceu lendo a série Harry Potter, a escritora aponta que essas pessoas continuam interessadas no universo criado por J. K. Rowling, anos após a publicação do último livro da série.
Rundell aponta que autores de literatura infantil estão preparados para “se dedicar intensamente à tarefa de acender a imaginação poderosa de uma criança, criando mundos fantásticos vívidos dos quais leitores adultos também podem se beneficiar. A autora diz acreditar que há “um risco, na vida adulta, pelas concessões que fazemos e a correria de nossas rotinas, que deixemos de valorizar a imaginação como deveríamos. Porque a imaginação é absolutamente essencial para enxergar o mundo verdadeiramente.”
Pesquisa confirma o interesse de adultos por literatura infantil
Dados registrados pelo sistema de monitoramento de venda de livros no Reino Unido, Nielsen, baseados numa enquete realizada com 3.000 compradores de livros e obtidos com exclusividade pelo Observer – apontam que 10.5 milhões exemplares de literatura infantil foram comprados para leitores de 17 anos ou mais em 2018.
Estes números representam um aumento de 42% em relação a 2015, quando apenas 7.4 milhões foram declaradamente comprados para leitores com essas características. Atualmente, 39% dos livros infantis são comprados para leitores com mais de 16 anos, com millenials sendo identificados como os principais consumidores adultos de ficção infantil.
Segundo a Nielsen, em 2018, pessoas de 24 a 34 anos compraram ou ganharam 12% de todos os livros infantis que foram vendidos, dobrando o registro de 6% de 2014. Leitores na faixa dos 17 aos 24 anos compõem o maior grupo de adultos que compraram livros infantis para si mesmos, representando uma em cada oito compras. No total, um terço das obras de literatura infantil vendidas no ano passado foram compradas para adultos.
Pesquisadora avalia o cenário
A Dra. Louise Joy, professora da Homerton College, Cambridge, apontou que “literatura infantil é escrita, editada e publicada por adultos, então ela é obviamente digna de ser lida por adultos”:
“Adultos que leem literatura infantil têm um vislumbre da beleza dos pensamentos reduzidos ao seu nível mais cru e vulnerável. A literatura para adultos frequentemente se desenvolve a partir da complexidade, da ambiguidade e da dúvida. Mas algumas das obras infantis de sucesso mais duradouro revelam o mundo como procuramos vê-lo, de uma forma destilada, clara e focada. Elas nos oferecem o asseio narrativo pelo qual ansiamos e a clareza de foco que com tanta frequência nos escapa na vida adulta.”
Sobre a leitura de ficção infantil por adultos, Joy apontou que por meio dela “somos lembrados de como é habitar uma mentalidade infantil e há algo doloroso nisso.” No entanto, a pesquisadora também sublinhou os aspectos positivos da experiência: “há algo muito reconfortante em sermos relembrados de como podemos pensar de uma forma mais direta sem sermos afligidos pela insegurança ou pela pressão de sempre identificar ambiguidades e nos preocuparmos com a indeterminação de ideias ou moralidade. É revigorante.”
Livros Infantis indicados para adultos – por Katherine Rundell
- The Wind in the Willows (O Vento nos Salgueiros) de Kenneth Grahame (1908)
- A Bear Called Paddington (Um Urso Chamado Paddington) de Michael Bond (1958)
- Howl’s Moving Castle (O Castelo Animado) de Diana Wynne Jones (1986)
- Cosmic (Cósmico) de Frank Cottrell Boyce (2009)
- Northern Lights (A Bússola de Ouro) de Philip Pullman (2015)
- Wed Wabbit de Lissa Evans (2017)
Publicado por
Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.
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