A vida e a trajetória de Carol Ann Duffy são marcadas por deslocamentos, transgressões e resistência. Nascida em Glasgow no dia 23 de dezembro de 1955, a autora mudou-se ainda na infância para Staffordshire, Inglaterra. Este movimento de mudança pode ser encontrado e interpretado no poema “Originally” (The Other Country, 1990), onde Duffy conta seu ponto de vista sobre esta migração, como relatado no trecho abaixo:
All childhood is an emigration. Some are slow,
leaving you standing, resigned, up an avenue
where no one you know stays. Others are sudden.
Your accent wrong. Corners, which seem familiar,
leading to unimagined pebble-dashed estates, big boys
eating worms and shouting words you don’t understand.
My parents’ anxiety stirred like a loose tooth
in my head. I want our own country, I said.
(DUFFY, Carol Ann. “Originally”, published in The Other Country. Anvil, 1990)
Poeta e dramaturga, mostrou ainda jovem seu interesse pela escrita e pela literatura, tendo publicado seus primeiros poemas em formato de panfletos enquanto estudante do Stafford Girls High School, no ano de 1974. Duffy continuou seus estudos na Universidade de Liverpool, onde cursou filosofia. Abertamente lésbica, viveu um relacionamento de dez anos com a também poetisa e renomada Jackie Kay. Durante a duradoura união, Duffy deu à luz Ella.
Entre suas peças, Take My Husband (1982) e Cavern of Dreams (1984) foram as primeiras a serem produzidas pela Liverpool Playhouse, demarcando o início do que tornaria-se uma carreira bem-sucedida no campo da dramaturgia. Além dessas duas obras, outras peças da autora incluem Little Women, Big Boys (1986) e Loss (1986). Em 1983, Duffy ocupou o cargo de editora na revista de poesia Ambit. Dois anos depois, publicou sua primeira grande coleção de poemas, intitulada Standing Female Nude, ganhadora do prêmio Scottish Arts Council Award, e onde Duffy aborda um tema que permeia fortemente sua escrita: a representação da mulher, ou da feminilidade, de forma instigante e desafiadora. No poema homônimo à coleção, uma modelo posa nua para um pintor. Enquanto é retratada na tela, a mulher transita por entre pensamentos críticos em relação ao artista, à situação na qual estava presente e à obra em si, elaborando um monólogo interno ao qual nós podemos acessar:
Six hours like this for a few francs.
Belly nipple arse in the window light,
he drains the colour from me. Further to the right,
Madame. And do try to be still.
I shall be represented analytically and hung
in great museums. The bourgeoisie will coo
at such an image of a river-whore. They call it Art.
(DUFFY, Carol Ann. “Standing Female Nude”, published in Standing Female Nude, 1985)
A ambiguidade em que homens e mulheres são vistos pela sociedade também é abordada: enquanto o público olhará para ela como uma mulher sem pudor, o pintor será aclamado por uma obra que, de acordo com a modelo, não faz sentido ser aclamada. Com uma linguagem coloquial, acessível e até mesmo humorística, além desta problemática, o poema levanta questionamentos sobre classe, padrões estéticos, e uma reflexão sobre o que se tornou o mundo da arte, ou o que seria, de fato, arte.
Com Standing Female Nude, a autora expressou seu interesse em comunicar-se através de vozes de pessoas que rompem com os padrões ou que de alguma forma são marginalizadas, concentrando-se principalmente em mulheres ofuscadas pela sociedade ou ao longo da história como porta-vozes frequentes de sua escrita. Thrown Voices (1986), também marcado por tal locução, ressaltou a maestria de Duffy na construção do monólogo dramático, traço importante de sua segunda publicação, Selling Manhattan (1987). Nesta coleção, Duffy reforçou sua preocupação em apresentar estas vozes, tecendo uma crítica à sociedade contemporânea. Entre muitos outros, a nostalgia, o desejo e a memória são alguns dos temas recorrentes em The Other Country (1990), Mean Time (1993) e em outras de suas demais obras.
Em seguida, Duffy continuou com coleções importantes, entre elas The World’s Wife (1999) – onde constrói sua narrativa através do ponto de vista das esposas de figuras históricas masculinas famosas –, Feminine Gospels (2002) e Rapture (2005). Além de coleções de poemas e peças de teatro, Duffy também foi autora de antologias, como Out of Fashion: elaborada e lançada em 2004, a obra apresenta uma conversa entre passado e presente, com a participação de poetas contemporâneos e seus poemas favoritos de diferentes épocas ou culturas que tratam sobre temas do mundo da moda. Além desta, Duffy também apresentou Answering Back (2007), trazendo a comunicação entre poetas contemporâneos a poemas de períodos diversos que representam algum tipo de significado importante para os autores. Já em To The Moon: An Anthology of Lunar Poems, publicada em 2009, a autora reuniu poemas que expressam a paixão e o fascínio humano pelo satélite natural de nosso planeta ao longo do tempo e da história, em diversas sociedades. Um exemplo de autora versátil e abrangente, também escreveu livros infantis, entre eles Underwater Farmyard (2002), e o mais recente The Princess’s Blankets (2009). Com uma carreira prolífica e uma extensa bibliografia, as publicações mais recentes da autora são Queen Munch and Queen Nibble e Sincerity, ambas de 2018.
Embora não seja amplamente conhecida no Brasil e, até o momento da pesquisa, não haja muitos registros sobre estudos de suas obras, Carol Ann Duffy é uma renomada escritora e ganhadora de diversos prêmios, entre eles o T.S. Eliot Prize, importante premiação para o mundo da literatura, e o Lannan Literary Award (Lannan Foundation, EUA), comprovando que seu sucesso ultrapassou as barreiras europeias. Reconhecida pelo sucesso com a crítica e com o público, seus escritos são estudados em diversas instituições de ensino da Inglaterra, devido à diversidade de suas temáticas e à sua linguagem acessível e coloquial, rica em metáforas, simbolismos e referências do mundo contemporâneo.
Com uma trajetória notável, Duffy recebeu a honraria OBE (Order of the British Empire) em 1995. No ano de 1999, tornou-se Fellow of the Royal Society in Literature. Em 2002, obteve o título de CBE (Commander of the British Empire) e, no ano de 2009, a autora tornou-se poetisa Laureada, sendo assim a primeira mulher LGBTQIAPN+ escocesa a ocupar a posição, na qual manteve-se até 2019. Anos antes, em 2015, Duffy já havia sido intitulada como DBE (Dame of the British Empire). Atualmente, é diretora criativa da Manchester Writing School na Universidade Metropolitana de Manchester, cargo que ocupa desde 2006.
Desta forma, a obra e a vida de Carol Ann Duffy no cenário da literatura contemporânea é de extrema importância, para que possamos compreender o mundo através de perspectivas menos limitantes, excludentes e conservadoras. Sua existência enquanto poetisa, comunicadora e representante de realidades muitas vezes ocultas abre a possibilidade de nos inspirarmos em escrever com a alma, sem abrirmos mão de quem somos, do que sentimos e do que vivemos.
REFERÊNCIAS
STRINGER, J.; SUTHERLAND, J. “The oxford companion to twentieth-century literature in English”. [s.l.] Oxford University Press, 1996.
ACADEMIC BOARD. Dame Carol Ann Duffy DBE. Disponível em: https://www.staffs.ac.uk/about/honorary-graduates/carol-ann-duffy-cbe. Acesso em: 4 mai. 2024.
Dame Carol Ann Duffy DBE. Disponível em: https://www.oxfordreference.com/display/10.1093/oi/authority.20110803095733695. Acesso em: 4 mai. 2024.
Carol Ann Duffy. Disponível em: https://literature.britishcouncil.org/writer/carol-ann-duffy. Acesso em: 11 abr. 2024.
Professor Carol Ann Duffy DBE. Disponível em: https://www.mmu.ac.uk/staff/profile/professor-carol-ann-duffy-dbe. Acesso em: 4 mai. 2024.
POETRY FOUNDATION. Carol Ann Duffy. Disponível em: https://www.poetryfoundation.org/poets/carol-ann-duffy. Acesso em: 11 abr. 2024.
Jackie Kay. Disponível em: https://www.scottishpoetrylibrary.org.uk/poet/jackie-kay/. Acesso em: 29 mai. 2024.
QURESHI, Y. Poet Laureate Carol Ann Duffy’s daughter Ella is off to Cambridge. Disponível em: https://www.manchestereveningnews.co.uk/news/greater-manchester-news/poet-laureate-carol-ann-duffys-5732192. Acesso em: 29 mai. 2024.
ALLARDICE, L. Poet Jackie Kay: ‘I could have been brought up by Tories!’ The Guardian, 13 abr. 2024. Disponível em: https://www.theguardian.com/books/2024/apr/13/poet-jackie-kay-i-could-have-been-brought-up-by-tories. Acesso em: 29 mai. 2024.