Publicada ainda este mês, a novela, classificada pelo The Guardian como kafkiana traz um homem que acorda como primeiro-ministro e é descrita pelo autor como uma “resposta terapêutica” à turbulência do Brexit
Em A Metamorfose de Kafka, Gregor Samsa acordou e descobriu que havia se transformado em um inseto monstruoso. Agora, no inesperado novo projeto de Ian McEwan, Jim Sams acorda e descobre que deve enfrentar um destino pior: ele se tornou o primeiro ministro britânico.
Anunciada na quinta-feira (12), e a ser publicada em apenas duas semanas, no dia 27 de setembro, The Cockroach é a 16ª obra de ficção de McEwan e sua segunda publicada este ano, após o romance Machines Like Me. Após a transformação, Sams – que foi “ignorado ou odiado” em sua vida anterior – se encontra com novos poderes e uma nova missão: realizar a vontade do povo.
“Nada deve atrapalhar seu caminho: nem a oposição, nem os dissidentes de seu próprio partido”, descreve a editora de McEwan, Jonathan Cape. “Nem mesmo as regras da democracia parlamentar.” Anunciando o livro, McEwan disse que a novela seria uma “sátira política em uma antiga tradição”.
“À medida em que a nação se desintegra, as normas constitucionais são ignoradas, o parlamento é fechado para que o governo não possa ser desafiado em um momento crucial e os ministros mentem sobre isso descaradamente no velho estilo soviético, e quando muitos Brexiters em altas posições parecem ansiar pela catástrofe econômica de uma saída sem acordo e os extremistas nacionalistas ingleses atacam a polícia na Praça do Parlamento, um escritor é obrigado a se perguntar o que pode fazer. Há apenas uma resposta: escrever”, disse ele em entrevista ao The Guardian.
“A zombaria pode ser uma resposta terapêutica, embora dificilmente seja uma solução. Mas um espírito imprudente, auto prejudicial, feio e alienígena entrou nas mentes de certos políticos e proprietários de jornais. Eles mentem para seus apoiadores. Expressam desprezo pelos juízes, pelo estado democrático e pelas normas da lei. Eles parecem querer alcançar seus objetivos por meio do caos. O que há com eles? Uma barata ou duas, eu suspeito.”
O autor vem sendo, há muito tempo, um crítico vocal do Brexit, descrevendo-se como um “negador”. Em abril, ele disse ao Observer: “Às vezes, acordo de manhã e me pergunto o que está me afetando e aí me lembro. O Brexit me parece uma tragédia nacional. A grande mentira dos Brexiters, seu pó mágico, foi convencer 37% do eleitorado que a União Europeia, e não o Reino Unido, estava controlando a imigração, e eles foram bem-sucedidos.”
Em Machines Like Me, Ian McEwan imaginou uma Grã-Bretanha alternativa nos anos 1980, liderada pelo primeiro-ministro Tony Benn, que tira o país da UE. No livro, Benn se recusa a fazer outro referendo, porque “apenas o Terceiro Reich e outras tiranias decidiram a política por plebiscitos”, diz ele, “e, no geral, nada de bom veio deles”.
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Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.