Pular para o conteúdo

Em uma quarta-feira de junho, uma entrevista com Anne E. FernaldLeitura em 7 minutos

Literatura Inglesa Brasil entrevista Anne E. Fernald.

Em uma quarta-feira de junho, o Literatura Inglesa Brasil traz uma entrevista com Anne E. Fernald, editora de Mrs Dalloway para a Cambridge University Press

Em 2011, a Cambridge University Press lançou The Waves (1931), editado por Susan Sellers e Michael Herbert, e Between the Acts (1941), editado por Mark Hussey, em uma nova série que prometia entregar as primeiras edições acadêmicas, não apenas anotadas, das obras de Virginia Woolf. Desde então, a Cambridge de fato nos entregou o que prometeu.

O projeto editorial de The Cambridge Edition of the Works of Virginia Woolf, capitaneado pelas editoras-chefes Jane Goldman (Universidade de Glasgow), Susan Sellers (Universidade de St Andrews) e Bryony Randall (Universidade de Glasgow), mapeia as revisões feitas por Woolf e pelos editores de suas obras, coteja as diferentes versões publicadas de modo a estabelecer os textos dos romances e, por fim, documenta cada mudança e cada referência da escrita sempre polifônica de Virginia Woolf.

São obras de consulta, em capa dura, que se tornaram itens cobiçadíssimos nas bibliotecas das universidades ao redor do mundo. A riqueza de informações das notas explicativas e a minúcia dos estudos inéditos das/os editoras/es, publicados como longas introduções às obras, são análogas ao trabalho editorial de séries como a Arden Shakespeare, o que dá à Virginia Woolf um lugar que poucas escritoras tiveram na história da literatura e do mercado editorial acadêmico. Mais ainda, cada anotação se torna um convite para repensar as palavras de Virginia Woolf, agora por meio dos novos caminhos que se abrem na leitura atenta das/os editoras/es. Woolf, que nunca estudou em Cambridge como seus irmãos, que se aliou às vozes das poetas silenciadas do passado – como a da ficcional Judith Shakespeare, um paradigma para a escritora do futuro em Um teto todo seu (1929) -, conquista então um grau de atenção acadêmica que revela a complexidade de sua obra para as novas gerações de pesquisadoras e pesquisadores.

Este mês de junho foi marcado por diversas comemorações do Dalloway Day, que incluíram pela primeira vez uma celebração no Brasil, organizada pela Editora Nós e pela The School of Life e acompanhada da excelente notícia de que a editora publicará a tradução dos diários completos de Woolf em 2021, entre outros títulos da autora inglesa. Contribuindo para a festa em torno de Virginia Woolf, o Literatura Inglesa Brasil publica, hoje, nesta última quarta-feira de junho, uma entrevista com Anne E. Fernald, editora de Mrs Dalloway (1925) para The Cambridge Edition of the Works of Virginia Woolf.

Anne E. Fernald Anne E. Fernald | Imagem: annefernald.com

Anne E. Fernald é Professora de Literatura Inglesa e Estudos Feministas na Fordham University, Nova Iorque. Sua edição acadêmica de Mrs Dalloway para a Cambridge, publicada em 2014, tem 482 páginas – mais que o dobro de outras edições anotadas do romance. A obra é resultado de um trabalho acadêmico rigoroso e dedicado, mas também de seu amor pelas palavras de Virginia Woolf – um amor que irrompe em cada uma de suas respostas abaixo. Além de editora do Cambridge Dalloway, Fernald é autora de Virginia Woolf: Feminism and The Reader (2006), entre outros títulos incontornáveis da crítica woolfiana.

Para você, fica o convite não apenas à leitura da entrevista, mas também à leitura de Woolf. Em tempos de isolamento, Woolf pode nos ajudar a pensar a convivência como um valor a ser cultivado apesar de todas as nossas limitações, como nos diz Anne E. Fernald nas entrelinhas de suas respostas.

Literatura Inglesa Brasil entrevista Anne E. Fernald

Uma fotografia sépia de Virginia Woolf sorrindo. Virginia Woolf em fotografia de Lady Ottoline Morrell, junho de 1926 | Imagem: National Portrait Gallery, London

LITERATURA INGLESA BRASIL

Quando você leu Mrs Dalloway pela primeira vez? Foi amor à primeira leitura?

ANNE FERNALD

Eu li Mrs Dalloway pela primeira vez na pós-graduação, em um curso sobre Virginia Woolf e Gertrude Stein (que chamávamos de Woolfenstein, como Frankenstein). A aula era ministrada pela maravilhosa Harriet Chessman (hoje romancista). E sim, foi totalmente amor à primeira leitura: foram as frases que me atraíram, e também o amor da magia de um verão, de ser jovem, da centralidade da amizade. Eu tinha 21 ou 22 anos e adorei a maneira pela qual o romance capturou a intensidade da amizade juvenil – a maneira pela qual Clarissa parecia amar Peter e Richard e Sally e amar todos juntos ao mesmo tempo.

 

LITERATURA INGLESA BRASIL

Por que você acha que Mrs Dalloway continua a atrair leitoras/es tão diferentes, em contextos tão diversos e em condições materiais tão radicalmente distintas?

ANNE FERNALD

Amar Clarissa é um ato de grande solidariedade. Ela é glamourosa e bonita, sim, mas também é verdade que ela veio de uma classe de pessoas de quem Woolf mais quis se afastar quando deixou para trás o sufocante bairro de Kensington de sua infância e foi para o boêmio e cosmopolita Bloomsbury. Woolf originalmente queria satirizar Clarissa, mas ela acabou se transformando em uma personagem completa, redonda e empática: uma mulher imperfeita, que é ao mesmo tempo fraca e forte, uma mulher que tem arrependimentos e desejos não realizados, e que também tenta, todos os dias, deixar as coisas um pouco melhores, um pouco mais agradáveis, para aqueles que a rodeiam. Uma ideia tão bonita.

Neste momento, quando muitos de nós estão em quarentena em casa devido ao coronavírus, a beleza e a importância de reunir pessoas para celebrar a vida, para compartilhar dessa beleza, parecem ainda mais relevantes.

 

LITERATURA INGLESA BRASIL

Ao editar Mrs Dalloway para a Cambridge, como você lidou com o debate acerca da quarta-feira específica “em meados de junho” na qual se passaria o romance? Uma quarta imaginada (como diz David Bradshaw na edição da Oxford World’s Classics), dia 20 de junho de 1923 (Moris Beja, na edição da Shakespeare Head Press) ou dia 13 de junho (Elaine Showalter, na edição da Penguin)?

ANNE FERNALD

Tornou-se claro para mim que todos os argumentos para um dia específico dependiam de ignorar um ou mais fatos específicos – as partidas de críquete, a exposição de flores e a presença do rei e da rainha não podiam ser todos no mesmo dia. Depois que vi isso, em vez de começar a escolher uma data, deixei que os escritos de Woolf fossem o meu guia. Eu nunca vi um pingo de evidência de que ela se importava tanto com uma data específica. E tudo que observei sobre sua prática de escrita me sugeriu que esse tipo de precisão não é onde ela exerce seus cuidados. Há muitos lugares nos quais ela prestou muita atenção, mas ela não é o tipo de escritora que se preocupava muito com datas e números.

 

LITERATURA INGLESA BRASIL

Qual foi uma de suas maiores preocupações ao ser convidada a trabalhar na primeira edição estritamente acadêmica de um romance que tem uma excelente tradição editorial no mundo inteiro?

ANNE FERNALD

Sou uma das únicas estadunidenses a editar uma das Cambridge Editions of the Works of Virginia Woolf, por isso me senti incrivelmente honrada em ser convidada – e muito ansiosa para acertar os detalhes de Londres. Com relação a isso, fiquei muito agradecida pelo extraordinário cuidado do falecido David Bradshaw, cujo trabalho e amizade foram uma grande ajuda.

 

LITERATURA INGLESA BRASIL

Você tem uma frase ou passagem do romance que diria ser sua favorita? Ou há alguma frase, passagem ou cena que tenha ganhado mais importância para você no trabalho de edição?

ANNE FERNALD

Não é um pensamento original ou a frase mais bonita e mais inovadora, nem a mais woolfiana, mas eu sempre lembro do pensamento de Clarissa: “ela sempre teve a sensação de que era muito, muito perigoso viver um dia que fosse”. Eu amo como a frase muda de significado para mim, dependendo do meu humor. Ela pode ser um grande conforto, pode parecer sátira, pode ser engraçada, pode parecer incrivelmente sábia.

Quando descobri a alusão a Homero, o personagem de Septimus mudou para sempre para mim.

Publicado por

Professor de Literatura Inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro | Website

Professor de Literatura Inglesa do Departamento de Letras Anglo-germânicas, Instituto de Letras, UERJ, e das especialidades Literaturas de Língua Inglesa e Teoria da Literatura e Literatura Comparada do Programa de Pós-graduação em Letras da mesma universidade. Membro da Virginia Woolf International Society.

Professora na UERJ | Website

Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *