A autora tinha 62 anos; adaptação de Small Island estreia no teatro dia 17 de abril.
Faleceu no dia 14 de fevereiro de 2019 a escritora Andrea Levy. Diagnosticada com câncer de mama em 2008, a autora declarou no ano passado que sabia que estava em estado terminal, “mas enquanto estiver viva, eu vou viver”.
Nascida em Londres, a autora era filha de pais jamaicanos. Winston Levy, seu pai, viajou para a Inglaterra a bordo do navio Empire Windrush em 1948. Sua mãe, Amy, fez a mesma viagem seis meses depois. Levy abordou em sua obra temas relacionados à comunidade britânico-jamaicana focalizando questões de identidade racial, cultural e nacional.
“Identidade! Às vezes isso me dá dor de cabeça – às vezes, no coração. Então, o que eu sou? Onde eu me encaixo na Inglaterra?” – Andrea Levy
Uma questão de origem
Levy começou sua carreira como figurinista assistente, trabalhando na BBC e na Royal Opera House. Paralelamente, ela iniciava uma empresa de design gráfico com o marido, Bill Mayblin, seu companheiro até o falecimento da autora no último 14 de fevereiro. Sua guinada para a literatura teve início em um evento que se passou nessa época. Durante um exercício do Islington Sex Education Project, ela foi instada a escolher entre o lado branco e o lado negro, evento que ela classificou como um “despertar abrupto”. A partir de então, mergulhou na literatura e se deu conta que, embora livros escritos por autores e autoras negras estadunidenses (entre suas favoritas estavam Toni Morrison e Alice Walker) fossem facilmente encontrados nas livrarias, o mesmo não podia ser dito sobre autores negros britânicos. Só começou a escrever, de fato, após a morte de seu pai, quando Levy estava na faixa dos trinta. Ela contou que o que a moveu foi uma necessidade de compreender suas origens. Em 1989, se inscreveu no curso de escrita criativa de Alison Fell e lá permaneceu por sete anos. Sobre a dificuldade inicial de ter seus livros publicados por uma editora, ela refletiu: “o problema principal foi que eles pensavam que o livro tratava apenas de raça, e pensavam que só interessaria a leitores negros” – acerca das várias rejeições, ela concluiu que a maioria das editoras apresentava uma “mentalidade de rebanho”.
Histórico de publicações e recepção da crítica
Seu primeiro livro, Every Light in the House Burnin’, foi publicado, enfim, em 1994 (leia mais sobre o livro na seção abaixo, com uma linha do tempo das publicações de Levy). No entanto, se passariam mais dez anos até que Andrea Levy alcançasse reconhecimento internacional, o que ocorreu após a publicação do romance Small Island em 2004. O romance foi vencedor do Orange Prize (hoje chamado Women’s Prize for Fiction), o Whitbread Prize (hoje conhecido como Costa Book Awards) e o Commonwealth Literature Prize. O romance foi selecionado em 2007 para ser abordado numa leitura coletiva que integrou as celebrações da abolição da escravidão. Foram distribuídas cinquenta mil exemplares gratuitos em todo o Reino Unido, especialmente em cidades historicamente ligadas à escravidão. Em 2014, o livro foi votado o “Melhor dos Melhores Romances Vencedores do Orange Prize”. Small Island foi lançado no Brasil em 2008 sob o título A Pequena Ilha pela Nova Fronteira.
“Apesar de não ter sido a primeira escritora britânico-caribenha a retratar as experiências das migrações da Geração Windrush nas décadas de 1940 e 1950, Levy diferia de escritores anteriores como Sam Selvon, George Lamming e Beryl Gilroy pelo seu foco na experiência de famílias com filhos, e especialmente as filhas daquela geração, crianças que viam a si mesmas não em termos primordialmente raciais, mas como britânicas de classe média.” (Lyn Innes, The Guardian)
A Obra de Andrea Levy
Em 1994, Andrea Levy publica seu primeiro romance, a obra semi-autobiográfica Every Light in the House Burnin’. O livro recebeu resenhas majoritariamente positivas, com o The Independent on Sunday declarando: “essa estória de uma jovem nos ano
s 60 em Londres, filha de imigrantes jamaicanos, é equiparável com algumas das melhores estórias sobre crescer na pobreza: bem-humorada e emocionante, inflexível e nada sentimental”.
Em 1996, a autora publicou o seu segundo romance, Never Far from Nowhere (1996), que conta a estória de duas irmãs de ascendência jamaicana chamadas Vivian e Olive e se passa em Finsbury Park, em Londres, na década de 70. Este romance foi considerado para as indicações do então Orange Prize e após sua publicação, a autora visitou a Jamaica pela primeira vez, entrando em contato com as origens da sua família. Esta viagem inspirou seu terceiro livro.
Fruit of the Lemon (1999) se passa entre a Inglaterra e a Jamaica durante a Era Thatcher (1979-1990) e trata dos contrastes entre jamaicanos e seus descendentes britânicos. O romance foi elogiado pelo New York Times por “lançar luz sobre a situação geral que enfrentam todos os filhos de imigrantes pós-coloniais”.
Finalmente, em 2004, Levy publicou Small Island, que aborda o pós-Segunda Guerra Mundial e os processos de migração daquela que ficaria conhecida como a Geração Windrush. O livro foi um sucesso absoluto entre a crítica especializada e leitores em geral. Em resenha publicada no The Guardian, Mike Phillips elogiou a habilidade da escritora e o tema abordado, classificando o romance como “o grande livro” de Levy.
“Quando eu comecei Small Island, eu não pretendia escrever sobre a guerra. Eu queria começar em 1948 com duas mulheres: uma branca, uma negra, em uma casa em Earls Court, mas então eu me questionei: ‘quem são essas pessoas e como elas chegaram aqui?’ – eu me dei conta que 1948 era tão próximo da guerra, que nada faria sentido sem ela. Se todo escritor no Reino Unido decidisse escrever sobre o período da guerra, ainda havia estórias a serem contadas, e nenhum de nós teria chegado perto do que realmente aconteceu. Foi uma cisão incrível no meio do século. E o povo caribenho foi excluído na hora de contar essa estória, então estou tentando incluí-los novamente. Mas eu não estou contando a estória de um ponto de vista unicamente jamaicano. Eu quero contar estórias a partir das experiências negra e branca. É uma história compartilhada.”
Small Island venceu o Orange Prize (hoje chamado Women’s Prize for Fiction), o Whitbread Prize (hoje conhecido como Costa Book Awards) e o Commonwealth Literature Prize. O romance foi adaptado em uma minissérie de dois episódios produzida pela BBC e foi ao ar em dezembro de 2009. Também estreia neste ano de 2019 a adaptação teatral da obra em questão, escrita por Helen Edmundson.
O quinto e último romance de Levy, The Long Song, foi publicado em 2010. Elogiado pela crítica, o livro venceu o Walter Scott Prize, além de ter sido indicado ao Man Booker Prize. Assim como Small Island, foi adaptado pela BBC One no formato de uma minissérie de três episódios que foi ao ar em dezembro de 2018.
O último livro publicado por Levy foi Six Stories and an Essay, em 2014. Como o título sugere, a obra traz um ensaio e alguns contos inspirados em experiências da autora.
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Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.