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Cultura britânica em risco: National Theatre lidera pedido de socorroLeitura em 6 minutos

National Theatre em South Bank, Londres.

O National Theatre, a Royal Shakespeare Company e a Royal Opera House estão enfrentando um colapso financeiro por causa da pandemia do novo coronavírus e fizeram um pedido conjunto por auxílio emergencial do governo, expôs uma matéria assinada por Vanessa Thorpe no The GuardianNa semana passada, o Shakespeare’s Globe fez um alerta na mesma linha.

“É realmente sério agora”, disse Greg Doran, diretor artístico da RSC. “E se perdemos nossa cultura de performance, será uma perda definitiva.” Os líderes dos teatros também alertaram que, embora estejam lutando para se manter, todo o setor das artes cênicas enfrenta um ‘enorme risco’ e que, sem uma ação rápida, pouco restará para o público assistir em todo o país quando as restrições de distanciamento social forem retiradas.

Rufus Norris, diretor artístico do NT, disse que o governo britânico deveria reconhecer que o distanciamento social contínuo significa que a maioria dos teatros deixou de ser um negócio viável.

Na quinta-feira passada (21), sua equipe avisou aos funcionários do teatro no South Bank em Londres que cortes substanciais de empregos haviam se tornado necessários.

Em entrevista ao Sunday’s Observer, ele explicou que esperar até o ano que vem para reabrir implicaria na insolvência da instituição. Ele acrescentou: “sem apoio adicional do governo, 70% dos teatros serão fechados até o Natal.”

O National Theatre, Norris explicou, está perdendo entre 4 milhões e 5 milhões de libras por mês durante o lockdown.

Em Stratford-upon-Avon, Greg Doran disse que a Royal Shakespeare Company perdeu 95% de sua receita comercial. “Precisamos urgentemente de uma extensão imediata do regime de isenção de impostos e mais orientações sobre as regras para aglomerações. Mas não podemos simplesmente salvar as referências nacionais e presumir que vamos ficar bem. Contamos com talentos treinados em todo o país.”

As três instituições não sobreviverão até 2021 sem bilheteria e estão sofrendo com o mesmo problema que afeta os teatros regionais, mas em uma escala maior. Nesta semana, elas fizeram um apelo urgente à comissão parlamentar de comunicação digital, cultura, mídia e esporte. O The Observer teve acesso ao documento, no qual elas pedem que quatro medidas de emergência sejam tomadas para retirá-las da situação de risco. Elas pedem uma injeção de dinheiro ou empréstimo para ajudar na recuperação, mais mais ajuda para freelancers, o fortalecimento do esquema de crédito tributário aos teatros e uma extensão do regime de retenção de empregos.

Lisa Burger, diretora executiva do National Theatre, defendeu as demissões propostas neste fim de semana, dizendo que precisa reduzir os custos com pessoal de 20% a 30% para que a instituição tenha um futuro. “Foi uma decisão tomada pelo conselho e pelo setor executivo. Não devia haver suspeita de que estamos exagerando”, ela disse. A vulnerabilidade do NT, acrescentou, é em parte devido ao seu sucesso em encontrar fundos fora dos subsídios governamentais no passado: “É um triste tipo de punição por todo o trabalho que fizemos desenvolvendo novos fluxos de renda.”

Em Covent Garden, sede da Royal Opera e da Royal Ballet Company, o chefe executivo, Alex Beard, denunciou uma queda de 60% da renda das instituições. “Não somos apenas um símbolo cultural, somos o maior empregador de artistas do país, além da BBC. Nosso nível de subsídio é inferior a 20%, comparado a cerca de 70% nas casas de ópera da Europa, e nossa bilheteria precisa de 95% de ocupação para atingir um ponto de equilíbrio”, afirmou. “Enquanto organizações, somos a antítese do distanciamento social e acho que o governo agora entende a gravidade da situação. Você só precisa imaginar Londres sem West End ou Leeds sem Opera North.”

O NT, a ROH e a RSC estão buscando maneiras de reabrir em menor escala, mas cada uma dessas instituições precisa da arrecadação da bilheteria para administrar suas grandes instalações. Enquanto isso, eles transmitem o trabalho on-line. Mais de oito milhões assistiram ao registro de One Man, Two Guvnors, do NT, e uma produção de A Streetcar Named Desire, de Tennessee Williams, atualmente em exibição.

Escrevendo no The Observer, o secretário de cultura do governo britânico, Oliver Dowden, disse que estava atento os “enormes desafios” enfrentados pelos teatros. “Eu sei que a pandemia foi um golpe nas artes”, ele escreveu. “O teatro ao vivo foi particularmente atingido e enfrenta alguns dos maiores obstáculos ao seu retorno.” Na semana passada, ele criou uma força-tarefa de renovação cultural, liderada por Neil Mendoza, para analisar medidas de crise para o setor.

“Será ótimo se o governo reconhecer esse momento de enorme risco”, disse Beard. “Afinal, foi o mesmo grande impulso que esteve por trás da criação da NHS e da ROH após a guerra: uma preocupação com o bem-estar físico e cultural do país. E contamos com uma linha de talentos especializados vindos de todo o setor.”

Beard também celebra o esforço conjunto em andamento na indústria da performance. A produtora de teatro Sonia Friedman é uma das pessoas que tentam impedir o colapso generalizado do setor e avisou na semana passada que mais de 1.000 teatros em todo o Reino Unido corriam o risco de fechar. O Old Vic e o Royal Albert Hall emitiram pedidos de socorro recentes, enquanto o Royal Lyceum em Edimburgo fechou e o Nuffield em Southampton declarou insolvência.

“Se isso continuar por muito mais tempo, é difícil imaginar que qualquer teatro vá sobreviver”, disse Norris. “O impacto disso para o National Theatre, você pode multiplicar para os teatros regionais.”

Doran considera o RSC como “o teatro nacional das regiões” e disse que deve seu trabalho como diretor a ter assistido a performances no Bolton Octagon e no Everyman em Liverpool quando jovem. “Comecei minha carreira em Nottingham e depois em York. Esta é uma infraestrutura frágil e o RSC precisa sobreviver para ajudar esses teatros.”

Adam Penford, diretor artístico da Nottingham Playhouse, disse temer pelas chances culturais do país: “O teatro no Reino Unido é baseado em relacionamentos interdependentes. Tire uma parte e o sistema todo desmorona.”

Doran disse que, quando os números de mortos no Covid-19 do país atingiram 33.000 neste mês, o mesmo número que morreu na peste que fechou os teatros em 1603, ele percebeu que a cultura britânica mudaria para sempre, como na época de Shakespeare. “Como dramaturgo, toda a visão de mundo dele mudou. Isso me faz desejar que pudéssemos voltar ao ano passado ou, como o Richard II diz: ‘Call back yesterday, bid time return’”.

Publicado por

Marcela Santos Brigida
Professora na UERJ | Website

Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.

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