Bandfiction diz respeito às fanfictions das comunidades de fãs, fandoms, relacionadas a bandas, grupos e artistas musicais. São do tipo de fanfics sobre pessoas reais, Real People Fiction, aborda o que faz parte do conhecimento do fandom sobre as figuras públicas e as suas vidas, geralmente discorrendo os relacionamentos que elas podem ter. São muitos os nomes de músicos preenchendo os personagens de fanfics, mas bandas como os Beatles ou a One Direction reunem semelhantes comportamentos em grupo, semelhantes ficções, apesar dos momentos diferentes.
Por mais que as relações pessoais dos artistas musicais não apareçam inicialmente como os destaques dentro da música, elas não deixam de serem notadas e interpretadas a partir de como são situadas no contexto. São populares mesmo fora dos fandoms as discussões em torno das letras de canções serem sobre ou para alguém em específico, como as averiguações sobre qual das relações foi a que causou Lorde a escrever “What Was That” ou a que causou Taylor Swift a escrever o Tortured Poets Department. Ao mesmo tempo que esse conhecimento público marca a recepção das canções, ele também assume o que está em jogo através da performance: a passagem de algo reconhecido da virtualidade à atualidade, como foi salientado por Paul Zumthor, e a representação de significados sociais, como dito por Nicholas Cook.

Nesse sentido, a famosa amizade de John Lennon e Paul McCartney dos Beatles, assim como a de Harry Styles e Louis Tomlinson da One Direction, documentadas tanto nos palcos quanto em entrevistas e filmes, podem ser entendidas. O contexto das fanfictions e do fandom pode se mostrar como um exemplo bastante forte da (res)significação da canção e de seus intérpretes no que diz respeito as relações deles entre si. A postulação de Cook, que diz que a “performance é o meio pelo qual representamos significados sociais” se refere a construção colaborativa de sentido no aqui e no agora da performance por todas as pessoas que a compõem. Da mesma maneira que o corpo do intérprete é presente na performance, o corpo do “leitor” (da plateia, do ouvinte) é o que constrói o sentido junto a ele, de acordo com Zumthor. Por isso, se percebe que o lugar em que as canções e as personas são recebidas e sentidas é o mesmo de onde se escreve as fanfics. Ou seja, o que é notado nos artistas e grupos não é somente o que alimenta as fanfics – é o que se vê explorado por elas.
Por essa razão, pode não ser tão precisa a ideia de que o principal objetivo dessas fanfics seja somente o de imaginar os artistas se relacionando da maneira desejada. Ainda que a tentativa de controle sexual e pessoal sobre os artistas seja realizada nas fanfics, ela não parte apenas do desejo erótico que tais fãs podem ter pelas personas, mas também de um certo (auto)reconhecimento. Prosseguindo a anterior citação de Zumthor, o processo por trás das fanfics pode aparecer como fazer passar algo da atualidade à virtualidade, mas de maneira que o faz mais verdadeiro e próximo do escritor. É mais possível que a fanfic, dessa maneira, nasça de um desejo de fazer sentido das coisas por meio de si. Citando Zumthor mais uma vez, isso se assemelha ao processo do leitor “integrar-se” ao texto – ou o da audiência “integrar-se” ao artista.
Desse jeito, as fanfictions vão pôr em evidência esses e outros aspectos reconhecidos. Nas duplas McLennon (Lennon e McCartney) e Larry (Styles e Tomlinson), como originalmente apresentadas, pode-se ver uma espécie de companheirismo e intimidade específicos a vida e trabalho deles nos palcos e estúdios, ambientes que são empoderadores para as suas personas mas que conhecidamente podem deixar pessoas reais vulneráveis. Nesse aspecto, muitas fanfics narram as relações afetivas por meio do enfrentamento, co-dependência ou mesmo do encontro dos dois em meio a essas vidas — sugerindo que importa mais a maneira, as condições em que o romance acontece, ao invés do próprio fato de ele acontecer.
Mesmo que também sejam comuns as narrativas que passam em universos alternativos (chamados de AU‘s), ainda é presente o “estudo de personagem” que a fanfics carregam, assim com as que abordam eventos que realmente aconteceram na vida dos artistas. Enquanto Lennon e McCartney têm em comum a cultura de bandas em Liverpool, envolvendo eles serem uma dupla artística quanto a composição e escrita das canções, Tomlinson e Styles são ainda mais jovens, com a adolescência confinada em um estado hiper visível por qual os dois foram comodificados. As sérias adversidades que essas situações podem ter incluído, assim como as reflexões internas e interpessoais que ela podem ter despertado, podem todas serem aprofundadas ao longo da narrativas das fanfics. Desse jeito, pode-se ver que essa escrita recolhe os fatos biográficos e o que é percebido a partir da perfomance para sintetizar os dois em uma narrativa parecida com a forma do romance. Essa tradução pode ser vista como uma tentativa de aproximar essas personas e a perfomance ao que é real e pessoal do espectador/escritor.
No caso de bandfics de grupos como os Beatles (em um primeiro momento da banda) e a One Direction, isso é mais ainda presente na disparidade de gênero entre palco e audiência. Afinal, é simbólica a divisão de papéis dos meninos no palco e das meninas na plateia, do encontro de corpos que constitui a performance. Deixando de lado as muitas diferenças, as duas bandas constituem uma coletividade de homens jovens a quem são garantidos bastante poder. Assim, a construção das relações McLennon e Larry não é apenas uma fantasia de romance, mas o atravessamento entre dois planos de gênero diferentes. Não é somente o relacionamento dos músicos o que está sendo re-escrito, mas as pessoas deles. Através da escrita do desejo erótico, ocorre uma subversão dos papeis heterossexuais do objeto de desejo e daquele que deseja, que estariam anteriormente confinados aos gêneros da audiência e dos performers.
Apropriando-se de um segundo sentido da palavra “performance”, é possível recordar as considerações de Judith Butler sobre gênero como algo que não é biologicamente dado, mas sim socialmente demonstrado. Dessa forma, este relato de uma já crescida participante da Beatlemania, do texto “Beatlemania: Girls Just Want to Have Fun” se destaca:
“Parando para pensar, eu acho que me identificava com eles, não com o objeto de desejo deles. Quero dizer, eu gostava da sua independência e sexualidade e queria ser assim…Garotas não podiam ser assim quando eu era adolescente – a gente só podia ser o objeto passivo e indefeso do desejo sexual de algum cara. Nós éramos tão sufocadas e os Beatles fizeram nós, criaturinhas tímidas e risonhas pensar, “Ah, se eu pudesse ser assim”, ser forte, sexy, fazer o que eu quero.”
Por fim, as bandfics e as fanfics num geral podem nos mostrar diferentes pontos de vista tanto sobre as obras e pessoas e fatos reais que elas abordam quanto sobre o mundo, como toda literatura. Porque a bandfiction não é uma ficção fora da realidade nem só uma fantasia pessoal. Ela alimenta-se do que já está presente na performance e a redimensiona, aprofunda, desenvolve.
Publicado por
É graduando em Letras - Inglês/Literaturas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bolsista do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil, sob orientação da Profa. Dra. Marcela Santos Brigida.