Gravada nos escritórios do All Songs Considered, um programa multimídia da NPR music, a série de vídeos do Tiny Desk Concert consiste em performances mais intimistas de uma pequena seleção de músicas do artista convidado, que são gravadas e postadas no canal da rádio no YouTube. O canal começou com uma seleção mais nichada em música alternativa, mas tem ultimamente ampliado o seu escopo e abrangendo outros gêneros musicais, o que o torna uma ótima plataforma para conhecer novos artistas. Em um dos episódios, gravado em 2015, a cantora e compositora nipo-americana Mitski performou, acompanhada apenas por uma guitarra, três músicas de dois álbuns diferentes: Class of 2013 (do álbum Retired from Sad, New Career in Business, lançado em 2013) e Townie e Last Words of a Shooting Star (de Bury me at Makeout Creek, de 2014). Os dois discos, apesar de próximos em suas datas de lançamento, refletem diferentes épocas da vida da cantora: enquanto o primeiro foi produzido como um projeto estudantil durante a sua graduação no Conservatório de Música da Purchase College, o segundo álbum foi lançado por uma gravadora independente após a sua graduação.
A cantora inicia a performance com a agitada e intensa “Townie”, que mesmo em sua versão acústica mantém a essência caótica e agressiva passada tanto pela letra quanto pelo instrumental. Pode-se, até, dizer que os sentimentos se intensificam ou se pluralizam em contraste com a pouca produção encontrada na sessão acústica. Nesse sentido, o anfitrião do programa expressou, na descrição do vídeo no YouTube, ter se preocupado com ela em alguns momentos da curta, porém impactante performance. Isso se relaciona com a ideia transmitida por Paul Zumthor, no livro Performance, recepção, leitura de que cada performance nova coloca tudo em causa e cria uma nova relação com o objeto, já que a forma se percebe em performance, mas a cada performance ela se transmuda.
Essa música aborda o amadurecimento as experiências a ele atreladas, como uma maior busca por independência e mudanças, em um desejo por experiências além das que já foram vividas e não se mostraram suficientes (como expressado pelos versos “’Cause we’ve tried hungry and we’ve tried full” / “And nothing seems enough”). Há, nessa busca, um desespero que cresce junto com o dramatismo fatalista da letra, atrelado tanto a comportamentos autodestrutivos quanto a uma busca do eu-lírico por si mesmo enquanto indivíduo, além do desejo de conexão em meio a esses conflitos internos.
And I want a love that falls as fast as a body from the balcony
And I want to kiss like my heart is hitting the ground
I’m holding my breath with a baseball bat
Though I don’t know what I’m waiting for
I am not gonna be what my daddy wants me to be
Em um fim quase repentino dessa energia caótica, passa-se para a música seguinte: “Class of 2013”, ao contrário da anterior, começa em um tom melancólico, mas não se desconecta da sequência que cria. De um modo singular, a música move-se, rapidamente, para uma experiência também pungente, com acordes mais brutos de guitarra invadindo a melancolia inicial até culminar em um ponto mais crítico, em que a cantora aproxima a guitarra do rosto e grita o terceiro verso em direção às cordas, intensificando as nuances acústicas e a experiência como um todo. A intenção aqui não parece ser soar bem (por mais que ela o faça), mas ser real e transmitir essa realidade de modo significativo:
Mom, would you wash my back?
This once, and then we can forget
And I’ll leave what I’m chasing
For the other girls to pursue
Há, na música, um contraste em relação à rebeldia da música anterior e o eu lírico, antes sedento por alguma emancipação e autodescoberta. Ele é sequenciado por uma outra persona, repleta de dúvidas e ansiedades, que retorna ao lar para se sanar da exaustão do mundo e da experiência da vida adulta. Há, nas duas músicas, uma sensação de estar perdido no caminho entre a juventude e a maturidade, que parece ser mais opressivo aqui, e a música termina com outro questionamento: “Mom, am I still young?” / “Can I dream for a few months more?”
A terceira e última música, “Last words of a shooting star”, é introduzida em uma ressonância ainda angustiante com as músicas anteriores, mas também tranquilizadora, de alguma forma, prenunciando o fim da apresentação: “All of this turbulence wasn’t forecasted” / “Apologies from the intercom”. A música utiliza da experiência de uma turbulência em um avião para uma reflexão sobre a vida e morte, em que um eu-lírico com ideações suicidas é grato por ter deixado as coisas em ordem antes dessa queda, já que assim as pessoas próximas se lembrariam dele com a afeição tida por quem sofreu uma morte acidental. Os sentimentos excruciantes e até mesmo desconfortáveis são, assim, apaziguados pela calmaria na voz de Mitski e por seu último sorriso, mesmo com uma esfera tão depressiva. Os sonhos do fim da música anterior agora se convergem em alívio e adeus:
[Bridge]
I always wanted to die clean and pretty
But I’d be too busy on working days
So I am relieved that the turbulence wasn’t forecasted
I couldn’t have changed anyways
[Outro]
I am relieved that I’d left my room tidy
Goodbye
Ainda que por um vídeo gravado, há uma conexão que se intensifica entre a cantora, a performance e o ouvinte que a vê e escuta, já que há a formação e intensificação de um sentimento para com o texto, que prende ainda mais o ouvinte nesse simples espetáculo. Ainda que um escritório não seja, ao menos primordialmente, o palco de uma apresentação em nosso imaginário, a chamada performance se liga ao corpo e, não apenas a ele, mas ao espaço em que se faz presente, por meio da intenção de teatralidade — transformando qualquer lugar em possibilidade de expressão e recriação artística:
“O espaço em que se inserem uma e outra [a performance e a leitura] é ao mesmo tempo lugar cênico e manifestação de uma intenção de autor. A condição necessária à emergência de uma teatralidade performancial é a identificação, pelo espectador-ouvinte, de um outro espaço; a percepção de uma alteridade espacial marcando o texto. Isto implica alguma ruptura com o “real” ambiente, uma fissura pela qual, justamente, se introduz essa alteridade.” (Zumthor, 2012, p. 41)