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A estranheza em O Curioso Caso de Benjamin Button

A imagem apresenta a ilustração da edição da Penguin de Benjamin Button. Trata-se de uma silhueta de um carrinho de bebê com um homem idoso.

“Time travels at different speeds for different people. I can tell you who time strolls for, who it trots for, who it gallops for, and who it stops cold for.”

— William Shakespeare, “As You Like It”

 

Ao longo dos seus quase 20 anos de carreira, F. Scott Fitzgerald escreveu muitos contos, publicando-os em revistas enquanto escrevia seus romances. O autor imaginava que essas obras mais extensas seriam de uma maior seriedade e que teriam mais impacto do que seus breves contos de natureza comercial, mas essas obras promoveram um retorno financeiro muito grande em relação aos seus romances e ainda são vastamente lidos na atualidade. Essas historietas, para além de ótimas leituras, têm um papel de destaque no reconhecimento de que, desde o início, Fitzgerald não foi apenas um destaque no quesito artístico como também um autor profissional.

Um de seus contos mais populares, O Curioso Caso de Benjamin Button (1922) brinca com muitas das ansiedades que nos afetam desde os nossos primeiros entendimentos de nossa condição inevitavelmente mortal e que têm sido, há séculos, amplamente discutidas na literatura. Fitzgerald põe em cena uma sociedade aflita com as mudanças promovidas pelo tempo através da subversão de uma naturalidade humana tão esperada: o próprio nascimento. O conflito do conto é demarcado pelo choque advindo do nascimento, ainda nas primeiras páginas, de um já idoso protagonista. Afinal, como esperar que ver um idoso ao invés de um frágil bebê não gerasse alguma reação inusitada? A existência de Benjamin Button parece pôr em risco tudo o que se concebe como comum, e a situação é especialmente escandalosa para uma família tão afluente.

O pano de fundo histórico, no entanto, possibilitou uma diminuição na situação vexatória promovida pelo mais novo membro da família. Isso possibilita pensar como diferentes classes e grupos sociais experienciam situações de maneira distinta: logo na introdução do conto, descobre-se que a obra se passa em 1860 e que a família opta por ter o seu bebê no hospital, em contraste com a realidade comum da época, em que partos eram realizados em casa. Ainda que esse cenário fizesse da condição de Benjamin algo ainda mais difícil de ser escondido, como demonstrado pelo choque das enfermeiras, a situação logo caiu em esquecimento. Em meio a uma sociedade altamente escravocrata, a Guerra de Secessão promoveu uma cortina de fumaça conveniente para a família, ao desviar as atenções de algo tão atípico, mas não fez com que a dinâmica do interior da família fosse imediatamente normalizada.

Em crise com a situação, o pai de Benjamin buscou por roupinhas de bebê para o filho, tentando seguir com as formalidades esperadas após o nascimento de um filho em meio à angústia da incerteza. A situação, a princípio avassaladora, passou a ser vista pelo lado bom com o passar do tempo, e o rejuvenescimento do filho e consequente aproximação de idades foi aproximando cada vez mais os dois. Fora da realidade familiar, Benjamin também acabou por encontrar uma vivência agradável e tornou-se bem-sucedido, e o seu rejuvenescimento o proporcionou o escape de uma sensação de inconformidade provocada pelo etarismo e a relação idade-trabalho. 

 

Fitzgerald’s “The Curious Case of Benjamin Button” (1922) dramatizes the productivity many presumed possible if only youth’s energy and maturity’s wisdom could be synchronized. A man who emerges from the womb at seventy and grows progressively younger throughout his life hits his peak just when middle age should slow him down. Yet Button at forty possesses the vigor of twenty; he even beats out boys younger than his own son for a spot on the Harvard football squad. For many commentators, capitalizing on youthfulness in this fashion wasn’t a supernatural fantasy but the end result of a positive, vitalist outlook on life.

(PRIGOZY, The Cambridge Companion to F. Scott. Fitzgerald, 2002, p. 44)

Entretanto, Benjamin Button não pôde escapar completamente das mãos do tempo: o seu rejuvenescimento fragilizou a sua relação com a esposa (que também é uma das únicas aparições femininas em meio a uma realidade profundamente sexista) e, junto a esse descontentamento, trouxe uma profunda nostalgia pelos tempos passados, ao ter sua sabedoria encapsulada em um corpo cada vez mais infantil. Essas lembranças ficam evidentemente inalcançáveis quando o personagem tenta participar de uma homenagem prestada pelos seus antigos esforços militares e é impedido, uma criança com fardos demais para carregar e com um convite certamente tirado da gaveta do pai. 

Tanto no começo de sua velhice quanto na sua juventude, os mais próximos de Button tratavam-no como algo diferente do que ele realmente era, o que traz uma camada melancólica para a história. Antes tido como avô de seu pai, passou a ser o filho do seu próprio filho que, ao obter essa passabilidade, passou a tratá-lo com uma autoridade invertida e com pouca consideração pela fragilidade e pela regressão do agora-jovem Button. O conto, ao inverter tantas dinâmicas familiares e sociais, expõe semelhanças entre dois lados tão opostos da vida, marcados por diferentes expectativas sociais, às vezes opressivas e solitárias.

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