Está sendo lançada em abril uma nova biografia do grande nome da literatura inglesa medieval, Geoffrey Chaucer. Uma obra elaborada pela professora da Universidade de Oxford, Dr.ª Marion Turner, A European Life pode nos ajudar a enxergar a relevância e contemporaneidade da escrita de Chaucer.
O próprio subtítulo já traz implícita uma provocação crítica altamente relevante para o nosso momento. Em meio às incertezas de como e quando se dará a saída do Reino Unido da União Europeia – o tão comentado Brexit – Turner sublinha os “aspectos europeus e globais” da vida do autor de The Canterbury Tales1.
With a whopping 600 pages, Marion Turner’s sumptuous new biography of Chaucer is not only heavy but also loud! #medievaltwitter pic.twitter.com/vDx4MazcnZ
— Sebastian Sobecki (@SebSobecki) 9 de março de 2019
Esse movimento é particularmente interessante porque propõe uma forma alternativa de se pensar sobre Chaucer para além do epíteto “o pai da literatura inglesa”, sublinhando seu aspecto cosmopolita.
Como sabemos, Chaucer exerceu um papel crucial na consolidação do prestígio da língua inglesa no campo literário ao escrever na língua vernácula.2 A prática comum à época era compor obras literárias em latim ou francês. Para saber mais sobre como o dialeto de Londres viria a se estabelecer como o inglês padrão e os papeis que Chaucer e William Caxton desempenharam ao longo deste processo, leia este texto.
Sobre o projeto
Recentemente, a Drª Marion Turner publicou um breve artigo no site da Oxford apresentando seu projeto. Nós traduzimos dois trechos da postagem em questão:
Os aspectos europeus e globais da vida de Chaucer são partes fundamentais da sua identidade. A vida intelectual de Chaucer era profundamente poliglota. Suas influências variavam da filosofia antiga à ciência árabe (em traduções para o latim) à poesia francesa, sonetos toscanos e coleções de estórias. Londres também era uma cidade global, conectada às ilhas das especiarias na Indonésia através de vastas rotas de comércio. Toda semana, muitos navios chegavam e deixavam o Tâmisa, carregados com todo tipo de produto. Quando criança, Chaucer vivia na região de Londres mais densamente povoada por imigrantes. Sua própria esposa vinha de uma família de Hainault. Chaucer viajou para lugares incluindo Navarra, agora no norte da Espanha, um país onde judeus, muçulmanos e cristãos coexistiam. E ele viu o lado mais sombrio do sistema global em Génova, onde pessoas escravizadas eram vendidas no mercado.
Chaucer como um pensador europeu
Turner sugere um novo entendimento acerca das práticas literárias do escritor:
Pensar sobre espaços nos ajuda a pensar sobre individualidade: Chaucer viveu numa época em que a ideia do privado se tornava cada vez mais importante – mas também causava muita ansiedade. Em Londres, Chaucer tinha seu espaço privado – mas seu avatar (em The House of Fame) reclama de um bloqueio criativo e sente a necessidade de sair e conversar com os vizinhos para se inspirar. Ele precisa ler livros e escutar conversas do cotidiano para desenvolver sua poesia extraordinária. Comércio, negociações, tratados, e a circulação de objetos, textos e ideias eram os sustentáculos da vida profissional e intelectual de Chaucer. Em vez de pensar nele na forma tradicional como “o pai da literatura inglesa”, eu o considero um grande pensador e poeta europeu, um escritor inscrito nas redes políticas, sociais e literárias que se estendiam pela Europa e além.
Chaucer: A European Life sai pela Princeton University Press em abril de 2019.
Publicado por
Marcela Santos Brigida é professora de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022), defendeu tese sobre a obra da escritora irlandesa contemporânea Anna Burns. No mestrado (UERJ, 2020), pesquisou a relação entre a poesia de Emily Dickinson e a canção. É bacharel em Letras com habilitação em língua inglesa e suas literaturas (UERJ, 2018). Atuou como editora geral da Revista Palimpsesto (2020-2021). É coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil (UERJ). Tem experiência nas áreas de literaturas de língua inglesa, literatura comparada e estudos interartes, com especial interesse no romance de língua inglesa do século XIX e na relação entre música e poesia.